Números e perspectivas do Brasil não permitem arroubos. O país é vítima de si mesmo e chega à situação diferenciada para pior ao momento em que se vislumbra o término da liquidez internacional abundante.

O Brasil teve todas as oportunidades durante o período de excessiva liquidez no mercado internacional, promovida pelos programas de incentivos monetários das economias desenvolvidas focando suas recuperações, desfrutando de humores amplamente favoráveis e elogios grandiosos, como se já fossemos o que efetivamente ainda não éramos.

Repudiamos e ao mesmo tempo convivemos com a ampla liquidez internacional. Agredimos e tripudiamos os programas das economias desenvolvidas em débâcle, criando figuras como “guerra cambial” e “tsunamis monetários”, para justificar a apreciação da nossa moeda, o real, algo que desejamos durante largo período, para que, juntamente com a Selic elevada, fizesse a contenção das pressões inflacionárias advindas dos gastos excessivos do governo.

Convivemos com o “boom” das “commodities” com preços puxados pelo crescimento da China, grande processadora de insumos e exportadora para o mundo, atividade que deu sustentabilidade ao seu virtuoso crescimento econômico.

Quase voltamos à condição de exportadores coloniais, esquecemos a nossa indústria que foi absolutamente solapada, dando espaço à intensificação das importações de insumos e bens de consumo, que hoje tem extraordinária representatividade de participação no nosso setor produtivo e de consumo.

Crescemos mais intensamente aproveitando a capacidade ociosa que existia no nosso setor produtivo, por isso o fizemos com baixos investimentos, e estimulando o consumo de quem jamais havia consumido com tal grandeza, estimulado pelo fácil acesso ao crédito.

Aparentamos ser um novo gigante, porém nunca deixamos de ter os “pés de barro”, com os quais nunca nos preocupamos muito. Crescemos sem infraestrutura e com um colossal custo Brasil decorrente da magnitude das deficiências que retirava, cada vez mais, a nossa competitividade no comércio exterior, nem sempre bem destacada, visto que o “boom” das “commodities” deixava a falsa impressão de que éramos grandes exportadores de uma forma mais ampla e diversificada, embora só representássemos algo em torno de 1% do comércio internacional.

Enfim, todos sabem a metamorfose ocorrida, suas realidades, verdades e inverdades.

Tivemos inclusive a ousadia de nos fecharmos aos capitais estrangeiros, imaginando “tsunamis” de recursos para o país e nos colocando como vítimas da “guerra cambial”, sem nos apercebermos (logicamente que não!) que os recursos externos buscavam aqui a excepcional rentabilidade promovida por uma incompreensível taxa de juro oferecida pelo país, com o conforto de ser “investment grade”. O juro praticado no país era a causa principal do afluxo de recursos externos e não, a rigor, os programas desenvolvidos pelas economias desenvolvidas focando suas recuperações de atividades econômicas.

Mas, de repente e de forma bastante perceptível, o mundo financeiro global começou a perceber que o nosso crescimento era absolutamente modesto, nossa inflação persistente, nossos gastos de governo excessivos comprometendo a política fiscal, que havia “matemágica” para fechar o superávit primário, etc., e que “novos” emergentes surgiam à margem dos “Bric´s” com melhor organização e perspectivas mais favoráveis, que assim passaram a catalisar o direcionamento dos investimentos internacionais.

A visão crítica sobre o Brasil, gradativamente, passou a focar mais as nossas fragilidades e a considerar menos o que era atribuído como virtudes, e assim o país foi perdendo atratividade por parte dos investidores, e os fluxos de capitais líquidos, desde meados do ano passado, passaram a sinalizar tendência negativa.

Era o momento de retirarmos as barreiras tributárias impostas ao fluxo de capitais externos ao país, ainda que com gradualidade, pois havia uma sinalização bastante consistente.

Não o fizemos, “afinal” o país tem reservas cambiais de mais de US$ 350,0 Bi e pode dar-se ao luxo de conter os fluxos de capitais externos.

Contudo, a visão crítica externa foi se agravando e se tornando, cada vez mais crítica, com as evidências de sérias dificuldades do país para crescer, ao mesmo tempo em que as pressões inflacionárias se revelavam persistentes e resistentes, num ambiente em que o governo continuava gastando mais do que o recomendado e com isto deteriorando as contas públicas, revelando riscos na política fiscal.

Em concomitância com esta perda qualitativa do país, acentuaram-se os sinais de que a tendência de que o déficit em transações correntes este ano pudesse ser maior do que os ingressos necessários para o seu financiamento, o que, por si só, é um relevante indutor da elevação do preço da moeda americana no nosso mercado de câmbio.

O ritmo da economia mundial permanecia lento e com isto a China foi atingida no seu ritmo de atividade econômica, o que impactou nos preços das “commodities” que passaram a refletir na balança comercial brasileira, em razão da queda quantitativa e de preços. Impotente para concorrer mais firmemente no mercado internacional com produtos industrializados, os sinais de deterioração das perspectivas do saldo de balança comercial baixo foram inevitáveis para este ano, porque com o consumo ainda aquecido, o volume de importações é crescente para suplementação da oferta interna.

A economia americana, neste ínterim, começou a dar sinais de melhora e o FED anunciou perspectivas de redução e término do seu programa de incentivos monetários, que envolveu cifras além de US$ 3,0 Tri e compras mensais de ativos ao mercado da ordem de US$ 85,0 Bi.

Os mercados anteciparam esta possibilidade, e, então o Brasil, já vítima de uma “ressaca” de ingressos de recursos, tardiamente, resolveu retirar as barreiras maiores para o ingresso de recursos externos, a partir deste mês de junho.

Ficou então evidente na prática que o país não desperta mais atração aos capitais externos direcionados a investimentos em renda fixa, mesmo tendo elevado a Selic, e, por último, nem mesmo capitais especulativos, estes afetados pela perspectiva de redução e término do programa de incentivos monetários americano.

A manifestação do FED afeta o mercado global de ativos fortemente.

E, atinge o Brasil ao inviabilizar até o fluxo de capitais especulativos, mas, mais importante do que isto, promove a saída de recursos do país que agora se direcionam aos papéis americanos, o que acentua a perspectiva de piora das nossas contas externas, cuja perspectiva já era ruim.

Por outro lado, ocorre num momento em que o país tem fortes desequilíbrios. Política fiscal comprometida por gasto excessivo dado a sua característica expansionista; crescimento baixo com tendência a ser pior do que as projeções atuais; inflação resistente mantendo-se em entorno do pico da meta; etc., comprometendo os fundamentos econômicos do país.

O déficit em transações correntes acentua sua projeção de crescimento, o próprio governo o reviu para US$ 75,0 Bi. É possível que até se acelere para acima desta cifra.

Este é um quadro diferente do relativo aos “novos” emergentes e até dos antigos. O Brasil tem um quadro bastante desgastado e revela que não se preparou bem para conviver com este novo cenário de baixa liquidez no mercado internacional.

Por isso, as pressões sobre o real, impondo-lhe desvalorização, não devem ter simetria com o comportamento dos demais emergentes.

O nosso real deverá ser mais afetado pela mudança do cenário internacional, afinal o Brasil tem um contexto macroeconômico muito pior em relação aos demais emergentes. Chegamos a este momento com fundamentos da economia bastante abalados, e isto, certamente, será um agravante a mais.

E é preciso muita atenção por parte do governo, pois se viermos a perder o grau de investimento, a retirada de recursos será fortemente intensificada.

Seriedade nas ações possíveis para mitigar a desvalorização inevitável, que poderá exigir alta maior na taxa Selic para conter a inflação, não menosprezando a questão, procurando minimizá-la com o argumento de que temos “balas no gatilho”, porque não as temos em profusão e nem capacitadas para um confronto de igual para igual.

Nossas reservas cambiais são apenas a metade do que o país tem em portfólio estrangeiro e empréstimos “intercompany”. Este é só um exemplo, ninguém, nem de longe, espera pânico, mas é um dado somente para por as coisas no devido lugar.

O que precisa no país, só o próprio governo poderá fazê-lo, para que então do exterior nos observem de forma melhor.

 

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