O tempo é implacável, na maioria das vezes não permite que se resgatem erros cometidos na trajetória, e este é o desafio posto ao BC por não ter feito a coisa certa no tempo certo, e, agora, com a inflação consolidada no país de forma irreversível busca justificá-la de diversas formas, mixando ou atribuindo culpas a ocorrência da pandemia, a escassez de produtos e a elevação dos preços, buscando ocultar as omissões antecedentes que consolidaram a base de sustentação da inflação presente.
O Brasil tem problemas maiores com a inflação, até porque estimulou a elevação dos preços internos pela contaminação dos preços externos que rebotaram para a economia interna, ainda num ambiente de não escassez, ao implementar a tese do “câmbio alto e juro baixo”, teoricamente correta como estratégia tentativa, mas que logo se revelou com baixa aderência do setor produtivo que não reagiu com investimentos e nem com incremento das exportações, que na realidade ficou restrito ao setor de commodities, em especial o agronegócio, que já tinha preços internacionais aquecidos e alavancou seus ganhos com o dólar alto.
Hoje o país exporta 70% em commodities, retornou a sua condição colonial, e pode ter problema logístico de escoamento dos produtos já que o seu modal de transporte é 70% rodoviário dependente do diesel, e que começa a criar inquietações nas empresas de transporte.
Então, neste cenário adverso praticamente irreversível o BC busca corrigir o incorrigível e não logra sucesso e todo o contexto coloca muitas dúvidas acerca de como será 2022, que se configura com grande potencial de ser um ano perdido.
A serpente inflacionária, agora aquecida pelos custos devido a escassez dos produtos e pelas crises hídrica/energética, está consolidada e não se vê reversão consistente no curto prazo, o que compromete 2022, e a ineficácia de alcance de medidas como elevação da taxa SELIC ou oferta massiva de dólares, na forma de contratos de swaps cambiais ou moeda à vista, é notória.
O antídoto temporal à ascensão do preço do dólar teria sido a elevação da SELIC no tempo certo, na medida em que se verificava o insucesso da tese do “câmbio alto e juro baixo”, que a despeito de tudo também foi excessivo.
O BC/COPOM claudicou, fazia o “discurso” certo, mas tinha atitude incompatível, não foi o gestor eficiente, o zelador da política monetária.
O tempo cria o imponderável, agora temos um quadro irreversível e, certamente, o BC/COPOM adotará tardiamente e ainda assim de forma modesta a elevação da taxa SELIC e se limitará a intervenções no câmbio com oferta de contratos de swaps cambiais e/ou dólar à vista.
Mais do mesmo, e seguimos….
O contexto atual é de retrocesso, projeção do PIB 2022 cadente forte, e, naturalmente, queda de arrecadação num ambiente de aperto da questão fiscal, que ainda permanece indefinida e pressionada pela necessidade de planos assistenciais e acomodações dos pagamentos dos precatórios.
O risco CDS tem captado esta mudança de humor e com isto acentua-se a queda dos investimentos estrangeiros e, também, da FBCF, o que compromete cada vez mais a ambição da retomada da atividade.
Na medida em que a pandemia vai “aliviando” sua pressão sobre a atividade, a tendência é que ganhe notoriedade a dimensão dos danos causados pelas falhas na política monetária ao longo do governo, em especial antes mesmo da pandemia.
O viés do preço do dólar pelo ambiente interno é de alta, podendo ser contemporizado pelo comportamento externo, mas a tendência perdura esta, enquanto o juro deverá continuar pressionado e a Bovespa pode sofrer o refluxo de grande parte dos recursos que detém atualmente para a renda fixa, que tende a se configurar mais atraente e segura como perspectiva de rentabilidade.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO Corretora de Câmbio