O mundo tem uma linha tênue que separa a realidade e a ficção, já que não há clareza para que se estabeleçam convicções sobre isto ou aquilo, tendo em vista que a crise do coronavírus não tem prazo de validade, e, em face disto causa muito burburinho sobre as formas de sair deste quadro tenebroso, sem menos se saber o quanto já se está dentro.
Em consequência há uma enormidade de “teorias” sobre como isto poderá acontecer e daí se estabelecem projeções absolutamente empíricas sobre os impactos nefastos da pandemia.
Cada país de per si, porém mantendo-se atentos ao que acontece no mundo, desenvolve seus esforços ordenados para o enfrentamento do problema, e há uma dicotomia entre as decisões em torno da forma de focar as ações em torno da saúde e da atividade econômica.
Contudo, a despeito de pensamentos divergentes, há um ordenamento nas iniciativas que não perdem foco do todo, prevalecendo a convergência de entendimentos evitando posturas conflituosas e desgastantes, pois afinal o interesse maior é o delineamento de convivência com o problema e ao mesmo tempo o planejamento para a retomada da atividade econômica.
Esta é uma pandemia em que todas as economias perderão e muito e mais, há a forte convicção que o legado deverá ser de profundas mudanças no mundo globalizado, devendo reacender o protecionismo e o recrudescimento dos investimentos externos.
No Brasil o entendimento prevalecente é que ainda não chegamos no pico da pandemia e que atingiremos números dantescos, mas por enquanto isto é ficção embora os números já se revelem preocupantes.
Porém, o país tem “inúmeros comandos” e díspares pontos de vista e forma de tratar da grandiosa problemática, com o desordenamento sendo promovido por decisões consequentes da judicialização e a dicotomia entre as atenções à saúde e a economia preponderam e criam um ambiente nefasto e desalentador.
Nesta altura, ninguém sabe como será o amanhã e já há consultorias, até renomadas, prognosticando que o Brasil será a última economia a sair da crise.
A cena política conturbada e acalorada é um fator negativo adicional do Brasil na convivência com a impactante crise do coronavírus, e, ao invés de focarmos o que interessa perdemos tempo com pesquisas de opinião pública sobre o governo e polarizamos os resultados, num momento em que o interesse maior é outro e as pesquisas não têm a capacidade de mudar o resultado da eleição que já foi encerrada.
É imperativo que o país ajuste e alinhe suas diretrizes para o enfrentamento do duro momento, pois todos sabem que o “cobertor financeiro” do governo é curtíssimo e o país já convive com severo problema fiscal, e como dissemos esta crise não tem prazo de validade e pelo jeito vai além do prazo de sustentabilidade por parte do governo de suporte financeiro a pessoas e empresas visando manutenção do emprego.
O mercado financeiro brasileiro apreça seus ativos, mas em realidade não há fundamentos críveis ou efetivas tendências, vai indo no “random walk”, o preço de hoje é igual o de ontem mais os fatos novos, mas nos permite projeções fora disto, o resto é fantasia.
O dólar, moeda da qual temos substantivo volume de reservas, flutua ao bel prazer do mercado externo e todos os seus vetores de influência havendo praticamente nada de influência do BC na formação do preço, que, ressalve-se, tem agido pontualmente somente no suprimento da liquidez do mercado, sem nenhum esforço incisivo sobre o preço, no que está certo porque seria um esforço inútil.
O preço da moeda americana é o sensor maior do “clima” do mercado financeiro, assim, não haverá surpresa se dias destes atingir R$ 6,00 ou até mais.
Contudo, os efeitos colaterais positivos, isto mesmo positivos deste fato, é o incremento das exportações “coloniais” do Brasil, o agro vai salvar o país de uma derrocada maior dada a sua relevância no PIB nacional, e neste momento há demanda fortalecida do exterior favorecendo os preços e o dólar alto forma a combinação perfeita.
Os dados da balança comercial vêm sancionando esta trajetória, e esta semana o Brasil já exportou 40% de petróleo a mais e o preço do minério de ferro está em alta.
As exportações destes seguimentos envolvem a malha de transporte no país, que tem se beneficiado desta realidade.
A Bovespa está volátil e embora haja papéis de exportadores com sinalizações favoráveis é carente da presença dos investidores estrangeiros e a cada intensificação dos ruídos políticos e da percepção de que o país pode ter maiores contratempos no trato da pandemia e equacionamento com a retomada da atividade econômica, ocorre o afastamento.
As perspectivas, antes vigorosas, de atração de investimentos estrangeiros direcionados para as excelentes oportunidades na infraestrutura brasileira podem estar comprometidas pela falta de credibilidade consequente do ambiente predominante para estabelecer marcos regulatórios confiáveis.
O Brasil sofre os impactos nefastos da crise da pandemia tanto quanto todos os países, mas agrega contra si a falta de convergência no foco das ações pró-enfrentamento e superação e na carência de recursos para ancorar eventual duração mais longa da crise.
No nosso entendimento, o país está num “corner”, ou constrói o ordenamento com movimentos convergentes harmonizando a dicotomia entre saúde e economia, ou terá um cenário agravado e incerto.
E este é um problema preponderantemente nosso!
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO