A massificação de uma “meia verdade” por repetição contínua pode torná-la crível, visto que a grande maioria dos ouvintes é leiga no assunto, mas pode fragilizar-se como tese de forma contundente quando colocada em fóruns internacionais, cujos…
A massificação de uma “meia verdade” por repetição contínua pode torná-la crível, visto que a grande maioria dos ouvintes é leiga no assunto, mas pode fragilizar-se como tese de forma contundente quando colocada em fóruns internacionais, cujos integrantes podem identificar práticas e estratégias de política cambial mixadas com política monetária e outras atipicidades características do país.
Assim, ao buscar-se a proliferação da idéia, denominando-a “guerra cambial”, de que a causa do real estar excessivamente apreciado no país decorre da mixagem de política cambial com política monetária por parte dos Estados Unidos, objetivando a desvalorização do dólar, para assim aumentar a sua competitividade no comércio exterior, potencializando sua capacidade exportadora e reprimindo as importações, no fundo procura-se “desmemorizar” o que, de longa data, é praticado no Brasil mixando ambas as políticas porém, com objetivo totalmente inverso.
O real está apreciado no Brasil, primeiro e principalmente, devido ao BCB estimular e utilizar o preço da moeda americana depreciada como “âncora” para contenção das pressões inflacionárias, desestimulando as exportações não agrícolas de forma que atendam a demanda interna aquecida e, na contra ponta, estimulando as importações para realizarem a complementação da oferta no mercado interno.
Tendo em vista o baixíssimo rigor fiscal, que gera superávits recordes com base em articulação contábil, como o tão decantado de setembro, que apropriou R$ 75,0 Bi de contabilização da cessão onerosa de bilhões de barris de petróleo, sendo que R$ 43,0 Bi foram despendidos com a aquisição das ações da própria Petrobrás e o saldo de R$ 32,0 Bi foi então agregado ao superávit primário do governo. Se desfizermos este imbróglio o que está atrás é um déficit de R$ 6,0 Bi.
Gastando muito e predominantemente com baixa qualidade, sem foco em poupança fiscal, a consequência natural é demanda interna aquecida, ainda mais quando estimulada por forte oferta de crédito, tendente a gerar pressões inflacionárias. Para manter os gastos em ritmo acima do recomendável, o país precisa não somente ter uma taxa SELIC inexplicavelmente alta, mas que por si só seria insuficiente para fazer a inflação convergir para as proximidades da meta, sendo imperativo, adicionalmente, a utilização do dólar depreciado, pura “injeção na veia” da inflação com efeitos no curto prazo.
Então, que não se saia pelo mundo e pelos fóruns atribuindo aos Estados Unidos, China & Cia. as causas das nossas mazelas no câmbio e no preço da moeda americana depreciado. Estaremos dando um diagnóstico prematuro e não sustentável ainda pelo Brasil, que tem pouca expressividade no comercio internacional, e, atualmente, é quase que somente um exportador potencial de “commodities”.
O fato mais relevante do dólar depreciado mundialmente para o país é o efeito sobre os preços das “commodities”, e que podem determinar a ocorrência de “bolhas” já que não há fundamentos criveis para sustentar as altas.
O descompasso entre o índice CRB das “commodities”, alavancado por ser alternativa a depreciação do dólar no mercado internacional, e a depreciação do dólar no Brasil, apresenta um “gap” em torno de 6,0%.
Para que este impacto fosse neutralizado protegendo o país desta pressão inflacionária vinda dos alimentos, o dólar teria que cair ao entorno de R$ 1,60, mas é temerário que isto aconteça pois teríamos uma invasão maior do que os 20% atuais de produtos importados no nosso consumo interno e estaria sendo bastante agilizada a tendência de desindustrialização já presente no país.
As mazelas presentes foram construídas por aqui mesmo, com a utilização do câmbio como âncora de controle inflacionário e uma taxa de juro única no mundo considerado o padrão de risco do Brasil e estratégias indutoras a apreciação do real.
Os recursos externos disponibilizados pelos países para injetar liquidez em suas economias e buscar recuperá-las, somente vêm para o Brasil porque temos deformações grandiosas que ainda nos caracterizam como o grande “oásis” para a rentabilidade no mundo. E, como a fluidez do crédito nestes países não ganha intensidade pró-recuperação das economias, tornam-se especulativos e invadem os mercados desprotegidos e com distorções.
Os Estados Unidos estão insistindo em aumentar liquidez na sua economia, já triplicou a sua base monetária desde o início da crise de 2008, mas não alcança sucesso, pois o crédito não flui para impulsionar o seu consumo interno, base do seu PIB, e ou fica como reservas voluntárias dos bancos ou se desloca para os ativos de riscos buscando rentabilidade. Porém, o caminho da política fiscal, que seria mais recomendável, está praticamente inviabilizado para o país, muito mais agora que o Presidente Obama acaba de perder a maioria na Câmara.
No comércio exterior somos fracos pois nos auto-vitimamos com o estímulo governamental a apreciação do real, não podemos então reclamar dos Estados Unidos e atribuir-lhe responsabilidade pelo que já e muito antes temos praticado, e se temos o que reclamar é com a China que mantém um câmbio administrado e a moeda subavaliada, e tenta nos transformar em país neocolonial comprando nossas matérias primas sem valor agregado e depois nos revendendo como produto acabado, afora um monte de quinquilharias.
Perspectivas de alcançar-se solução no G-20 de Seul?
Próximo de zero, muita conversa e intenções, mas naturalmente o interesse individual prevalecerá sobre o coletivo.
Não é isto?
Então esclareçam por que o BCB continua mantendo e estimulando as posições “vendidas” dos bancos, se não for pela simples razão de desejar que os mesmos continuem operando focando a apreciação do real.
É contraditório com os normativos que tem baixado recentemente?
Notoriamente sim, mas ao que tudo indica o BCB é refém da necessidade de utilização do dólar depreciado para controlar a inflação e não pode mudar esta dinâmica.
Ah! Foi o fluxo de outubro que registrou superávit de US$ 6,917 Bi !
Mas quem observou que o BCB no mesmo outubro retirou com os seus leilões de compra US$ 7,593 Bi, como habitual mais do que o excedente do fluxo, e promoveu a expansão das posições “vendidas” dos bancos de US$ 12,426 Bi em final de setembro para US$ 12,845 Bi em outubro.
É razoável que o Brasil reclame das injeções de liquidez dos países desenvolvidos na economia, já que acabam se direcionando para as economias emergentes que proporcionam rentabilidade fácil , e, no caso Brasil, acabe colocando em evidência que o país não tem mais condições de continuar elevando suas reservas cambiais, pois não tem poupança fiscal e o custo de carregamento e destacadamente bilionário.
Mas onde está o erro?
Neles ou no Brasil que pratica taxa de juro elevada de forte atratividade ao especulador e, que por si só, já adota a indução da apreciação do real desde muito tempo como “âncora” para conter as pressões inflacionárias?
Como o Brasil contra-argumentaria se colocando a entusiástica tese de que tudo decorre da “guerra cambial”, fosse suscitado pelos debatedores que no Brasil a causa do fluxo de recursos que lhe é direcionado é puramente interna por praticar uma taxa de juro inexplicável ao mundo, e, ainda, de que o real está apreciado no país como política de governo para conter pressões inflacionárias e não rigorosamente pelo fluxo excedente que é neutralizado pelas compras totais do BCB?
Visto por este ângulo, a procura da rentabilidade dos recursos especulativos no Brasil é mera consequência, e, cabe a nós, antes de tudo, fazer as correções internas.
Afinal, todos sabem qual é a receita para que tudo se ajuste efetivamente para que seja construído o Brasil grande e com crescimento sustentável.