O mercado financeiro, em especial B3 e dólar, viveu dias de otimismo exacerbado com a retomada de fluxos de investidores estrangeiros direcionando recursos para o mercado acionário brasileiro, algo que estava represado desde muito, visto que o país perdeu a atratividade que despertava no exterior, seja pelas perspectivas de retomada da atividade econômica incertas e acentuadamente pela expressiva redução do juro.
O juro brasileiro sempre foi o atrativo maior para os recursos estrangeiros que buscavam rentabilidade diretamente ou através a montagem de operações de “carry trade” viabilizada pelas diferenças entre o juro local e o de origem do capital, e a parte, pontualmente alguns papéis acionários de empresas com atuação no mercado externo, como as produtoras de commodities de toda natureza sempre foram focadas pelos estrangeiros.
O desprestígio do Brasil perante os investidores já antecedia a crise provocada pela pandemia do coronavírus, porém foi severamente agravada com a crise que atingiu duramente a atividade econômica brasileira e colocou o país em perspectiva de forte retrocesso no seu PIB, acentuando a redução da taxa de juro SELIC.
O preço do dólar, a despeito do volumoso estoque de reservas detido pelo país, sucumbiu ao ambiente de insegurança ampla em torno do país, econômica, política e jurídica, e teve seu preço elevado/especulado às proximidades dos R$ 6,00. Na mesma linha a B3 viu suas ações conduzirem o seu índice a forte desidratação, após ter se imaginado acima dos 120 mil pontos.
Com este ambiente letárgico o mercado financeiro brasileiro conviveu ao menos durante os últimos 3 meses, mas eis que algumas economias relevantes globalizadas, com ênfase ao Estados Unidos, mesmo com a crise do coronavírus ainda presente e preocupante passaram a emitir sinais de discretíssima recuperação.
A maior economia mundial, o Estados Unidos, então emitiu surpreendente resultado da criação de empregos e redução de demanda por salário desemprego no mês de maio, contrariando todas as projeções e promovendo um “choque de otimismo” como assegurando que a recuperação dessa economia possa ocorrer em tempo muito menor do que o que tem sido estimado.
Ao longo da crise as economias mais relevantes injetaram somas astronômicas de recursos financeiros nos mercados visando atenuar os efeitos nefastos da pandemia, e, este recursos que representam extraordinária liquidez estava represada defensivamente mantendo aversão ao risco, atingindo diretamente as economias emergentes.
Contudo, com o sinal emitido pela economia americana ocorreu a absoluta distensão desta liquidez represada e que então, buscou identificar oportunidades de rentabilidade em segmentos das economias emergentes combalidas.
O Brasil, que já não tem apelo para investimentos em renda fixa, evidenciava um mercado bursátil com ações extremamente atraentes em preços dolarizados consequente do preço deprimido em real e o dólar com preço de conversibilidade elevado.
Então ao longo das últimas duas semanas a “liquidez internacional” identificou oportunidades na B3 e volumes consideráveis de recursos, sem ser ainda exuberantes, foram deslocados do exterior para o Brasil e para a B3 e isto provocou um efeito pendular, o dólar com o aumento do fluxo conduziu o real à apreciação rápida e ao mesmo tempo a demanda das ações elevou seus preços em reais e neste movimento pendular passou a ter aviltados os preços.
Tivemos oportunidade de enfatizar nossa visão, desde o início deste movimento, como algo pontual e provavelmente com “prazo de validade” visto que ao momento em que os preços em dólares das ações perdessem o conceito de “baratas” e ficassem caras o movimento seria cessado e ocorreria a realização dos lucros, até porque ao preço normal os investidores estrangeiros não teriam grande interesse como consequência das frágeis perspectivas de retomada da atividade econômica brasileira.
Entendemos que era um movimento extremamente pontual, por isso não vislumbrávamos oportunidade para IPO´s de empresas brasileiras, visto que as ofertas seriam a preço normal e isto não interessaria ao capital estrangeiro no quadro atual.
Naturalmente, ao mesmo tempo, houve forte migração de investidores nacionais, em especial pessoas físicas, que foram desestimulados com a renda fixa com juro praticamente negativo e direcionaram recursos para a B3 dentro da euforia observada, o que deixa sempre o risco de retirada abrupta, visto que o investidor pessoa física não é muito resiliente a perdas.
Ainda notando a excessiva liquidez internacional relegando a plano secundário o risco, o governo brasileiro fez oportuna colocação de títulos soberanos no mercado internacional que serviu para “apurar a temperatura” em torno do país, e que poderá servir para estímulo de outras captações de empresas nacionais, por enquanto com pequenas sinalizações desta iniciativa, até porque a situação econômica do Brasil sugere esforços para recuperar a capacidade ociosa instalada e pouco estímulo a novos impulsos.
O Brasil não tem razões para otimismos, não há nenhum sinal de retomada, neste momento foi e poderá ser beneficiário de melhoras de economias desenvolvidas, portanto das consequências, mas está longe de ser causa.
Há enorme incerteza a respeito das perspectivas de curto/médio prazo envolvendo a superação da crise da pandemia do coronavírus, que agravou mais a situação fiscal, o desemprego que perdura crescente e que deve atingir números extremamente preocupantes que dilapidou a renda da população, e mesmo da retomada da atividade e o seu ritmo.
Então, é preciso ter em perspectiva que a B3 poderá perder ímpeto e o dólar voltar a apreciação frente ao real.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO