Maio: Marco divisório da visão em torno do cenário político-econômico do Brasil

Maio consolidou a percepção iniciada em abril de que havia uma visão prospectiva errática em torno das projeções para o Brasil 2018.

Fatores difusos internos que não vinham merecendo rigor crítico nas análises emergiram com grande contundência e fatores externos sustentaram a tendência de que o longo período benigno para os países emergentes estava chegando ao final, mesmo que não tenha ocorrido a contração da expressiva liquidez no mercado global.

Havia um excessivo otimismo propagado a partir do mercado financeiro de certa forma até menosprezando a realidade que se pontificava de forma clara, com grande colaboração das medianas apuradas pelo Boletim FOCUS que aglutina as indicações das instituições financeiras mais expressivas, e assim, com a ocorrência da mudança do humor externo a respeito dos emergentes, e, com as perturbações em torno do movimento dos caminhoneiros, o Brasil descobriu que o Brasil não via tão bem como parecia a partir da caixa de ressonância que entoava uma não sustentável situação.

O risco Brasil foi duramente atingido por esta revisão externa e interna, a partir da elevação do CDS (risco de calote) que da mínima de 142 pontos subiu a 203 pontos, mas os fatores externos, no primeiro momento, impactaram fortemente nas expectativas presentes no mercado financeiro brasileiro, que então, passou a focar, se bem que inicialmente com grande tolerância, os fatores internos que não validavam as análises propagadas em torno da atividade econômica e da grave crise fiscal que assola o país, afora o contexto político emperrado e o absoluto imbróglio em torno da sucessão presidencial, que não indicava nenhuma candidatura reformista como viável, num ambiente em que reformas serão absolutamente necessárias em 2019, caso contrário haverá grandes dificuldades de gestão para o próximo governo.

Então com o choque de realidade houve grande impacto da aversão ao risco perfeitamente identificada e da valorização do dólar no mercado global e que no Brasil por ter um sofisticado mercado de derivativos e instrumentos que permitem ao BC prover liquidez na demanda por proteção, e também, na demanda por liquidez no mercado a vista de câmbio, atrelados ao expressivo montante de reservas cambiais do país, repercutiu inicialmente na forte demanda de proteção cambial ao longo de abril e maio e que provocou a repercussão na taxa de câmbio futura, que em linha contaminou a taxa do mercado à vista.

Como o movimento de apreciação do dólar estava ancorado em fundamentos sustentáveis, a ação do BC ficou limitada a coibir especulação e prover liquidez ofertando “hedge cambial” para proteção, tendo pouca capacidade de contenção do movimento de alta do preço da moeda americana.

O preço do petróleo, com grande contribuição das questões geopolíticas a partir do governo americano, subiu quase que em concomitância.

A conjunção da elevação do preço do dólar com a elevação do preço do petróleo e em face da política de preços praticada pela Petrobrás provocou elevação abrupta nos combustíveis que acabou por colocar o país em preocupante cenário com a interrupção dos transportes rodoviários, que representam 74% do modal brasileiro, afora repercussões consequentes pela interrupção de distribuição em outros meios de transporte.

Enfim, num contexto novo que já vinha delineando a desconfortante e desapontadora tendência da economia brasileira, a crise nos transportes acentuou agudamente a percepção do real “status quo” brasileiro.

Bem antes do agravamento da crise com os caminhoneiros já havíamos relutantemente apontado a perda de atividade da economia, projeção menor do PIB, projeção do dólar subavaliada, certa descrença nos índices inflacionários, a crise fiscal inviabilizando o orçamento de 2019 sem quebra da regra de ouro e as expectativas de dúvidas e incertezas com forte acirramento do processo sucessório presidencial.

Ao longo da insistente indução de tentativa de convencimento do BC/COPOM para reduzir a taxa SELIC de 6,50% para 6,25%, tivemos oportunidade de semanas antes entender como não recomendável.

Mas, havia também alguns economistas não vinculados ao mercado financeiro, mas de elevada credibilidade que já apontavam sérias preocupações com a crise fiscal e seu agravamento sem perspectivas de solução, e ainda, já propagando uma revisão nas projeções do PIB, como o Professor Pastore.

Após a decisão do BC/COPOM mantendo a decisão de manutenção da taxa SELIC, apontamos que o BC tinha uma visão à frente da do mercado. Com o passar dos dias muito dos críticos acabaram por reconhecer que a autoridade monetária agiu corretamente.

Na realidade não se pode conceituar como surpresa a ação do BC por ter contrariado o interesse latente do mercado financeiro, visto que houve uma mudança de cenário muito rápida, e como ensinou Keynes, se houver mudança que se mude.

Então, a despeito de se reconhecer que as perturbações da crise dos caminhoneiros trará impacto no PIB, é extremamente falso buscar-se atribuir a mudança de projeção de 2,5% para o PIB para 1,5% em consequência do fato. É exagerada esta afirmativa.

Da mesma forma, soa falsa a propagação da intensa perda de arrecadação por parte do governo com as concessões, pois evidentemente o governo foi grande beneficiário do excepcional aumento de arrecadação sobre os preços elevados dos combustíveis. Pedro Parente, muito arguto, colocou a ideia do tributo flexível, ou seja, equalizar o tributo de forma dinâmica, o que entendemos como sendo a partir da base que estimou arrecadação no orçamento se flexibilizar a tributação quando cai ou quando sobe o preço na refinaria, assim seria um amortizador das variações.

Dados recentes não são confortáveis. IGP-M em 1,38% em maio. IPP (índice de Preço ao Produtor), porta da fábrica, em 1,56% em abril. Projeção do Tesouro de que o governo precisará de R$ 260,0 Bi para cumprir a regra de ouro em 2019. Desempregados 13,4 milhões, 12,9% no trimestre até abril ante 12,2% no trimestre anterior. Déficit primário de R$ 5,4 Bi até abril de 2018. Resultado primário do Governo Central acumulado em 12 meses R$ 124,9 Bi equivalente a 1,84% do PIB.

Até ontem, Bovespa indica -11,66% no mês, 0,43% no ano e 19,31% 12 meses, enquanto o dólar indica + 6,70% no mês, 12,79% no ano e 14,33% 12 meses.

Como se vê no mês de abril teve início a reversão de expectativas com discreta alta na Bolsa e já acentuada alta no dólar, o que se acentuou no mês de maio com queda de 11,66% na Bolsa e alta de 6,70% no dólar. E ainda falta hoje.

A Bovespa divulga que saiu neste mês algo em torno de US$ 1,5 Bi de estrangeiros e que o saldo no ano está negativo em torno de US$ 350,0 Mi.

O PIB do 1º trimestre deste ano anunciado hoje pelo IBGE indicou crescimento de 0,4% em relação ao trimestre anterior e 1,2% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. O dado veio dentro da expectativa, mas a visão prospectiva é pouco favorável. O destaque positivo foi a Agropecuária com crescimento de 1,4%. A FBCF cresceu 0,6% e o consumo das famílias 0,5%.

Nossa visão em perspectiva indica que haverá um fortalecimento da saída de capitais estrangeiros do país, o que intensificará o movimento de baixa da B3, embora possa ocorrer volatilidade por razões pontuais, e o dólar ainda manterá um viés de alta, sendo importante que o BC não retarde a efetivação dos leilões de linha de financiamento em moeda estrangeira com recompra para irrigar a liquidez no mercado à vista.

Hoje ocorrerá a divulgação do fluxo cambial até o final de semana passado e permitirá uma análise, mesmo que parcial, da intensificação de saídas financeiras.


Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO

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