Crise mostra as fragilidades já existentes na economia e focadas sem rigor

Há uma oportunista visão que tenta atribuir à crise dos caminhoneiros “todo o mal que assola o país”, quando na realidade esta crise só se presta a deixar evidente a fragilidade do governo e a aflorar toda a decepcionante perspectiva a respeito da atividade econômica sem ritmo ( PIB 2018 com tendência cadente, desemprego, não recuperação efetiva da renda e do consumo, crise fiscal crescente e sem solução no momento, crise fiscal, etc) que já estavam presentes, à qual se agrega o crítico cenário que se propaga em torno da sucessão presidencial.

Tudo isto agora, embora tardiamente, passa a se agregar e construir o “risco Brasil” efetivo.

O choque das mudanças do cenário da economia americana, sobejamente abordada, com a combinação com os conflitos comerciais e geopolíticos, deu o primeiro destaque as fragilidades dos emergentes, impactando fortemente no Brasil, onde havia crenças otimistas mal fundamentadas ou discretamente não focadas quanto ao cenário prospectivo, e aflorando o contexto preocupante que envolve o país neste ano de 2018, e que consequentemente torna 2019 um ano com perspectivas bastante incertas.

A valorização do dólar no mercado global consequente da dinâmica da economia americana, que criou a expectativa de mudança na política de juro por parte do FED, com o próprio mercado atropelando no tempo eventual decisão da autoridade monetária americana ao conduzir a taxa para os T-Bonds de 10 anos a 3%, antevendo pressões inflacionárias.

O Brasil foi surpreendido pela volúpia da depreciação do real ante o dólar, já que a taxa cambial vinha sendo mantida em patamar muito aquém do razoável para um país desgastado pelas agências de rating e com enorme crise fiscal, mas o cenário parecia confortável a ponto de que a proteção aos ativos em moedas estrangeiros, principalmente capitais especulativos aportados em nosso mercado financeiro, estava sendo descartada e registrava volumes baixos.

Assim é que com a mudança radical do cenário até então benigno para os emergentes ocorreu em grande parte dos emergentes o “fly to quality” impondo saída expressiva de recursos neles alocados, sendo o Brasil uma exceção tendo em vista que tem um mercado financeiro sofisticado com derivativos que permitem proteção e por ter reservas expressivas está imune a crise cambial, visto que o BC pode irrigar a liquidez no mercado a vista quando a demanda se acentuar com o leilão de linhas de financiamento em moedas estrangeiras.

No mês de abril o que se viu é o mercado futuro de dólar que tinha um montante de US$ 2,0 Bi envolvendo proteções em final de março subir para expressivos US$ 14,0 Bi em razão da forte demanda de “hedge cambial” (proteção), e isto impactou na formação da taxa cambial repercutindo o comportamento de valorização do dólar no mercado global.

O BC tem instrumentos para irrigar a demanda por proteção (hedge cambial) e dar liquidez no mercado a vista, porém tratando-se de tendência de elevação do preço da moeda americana com fundamentos, tem pouco potencial para conter este efeito natural.

O que se percebeu é que a desvalorização do real, num ambiente em que o Brasil tem vantagens comparativas com os demais emergentes, excedia a média da desvalorização das moedas emergentes, e isto naturalmente indicava que a desvalorização decorria de fatores externos, mas também, embora não propagada por aqui, de fatores internos.

Em várias oportunidades mencionamos de formas variadas que o que estava ruim poderia ficar pior, e neste ponto a crise dos caminhoneiros, além dos seus reflexos consequentes, detonou a imediata percepção do todo em torno do país.

Muito se tem falado dos impactos no caixa do Tesouro pelas concessões que estão sendo feitas, há muitos contraditórios, mas o fato é que é relevante que se coloque na mesa de discussões “o quanto o governo arrecadou a mais com a abrupta elevação dos preços dos combustíveis”, para que não pareça estar realizando um enorme esforço a ponto de ter a necessidade de elevar outros tributos.

Enfim, posta às claras a real situação do Brasil em todos os seus poderes de Estado e as desconfortantes perspectivas em torno do desempenho de sua economia e as baixas possibilidades de solução para sua crise fiscal, o preço da moeda americana mantém forte viés de alta agora muito consubstanciada no seu próprio “status quo” e em concomitância a drástica elevação do juro de longo prazo.

O BC e agora também o Tesouro demonstram intenção de se opor ao comportamento do preço do dólar e na impulsão do juro de longo prazo, mas a resultante sugere muitas dúvidas e a possibilidade de volatilidade, o que é o pior cenário.

Sempre trabalhamos com a ideia de que os capitais estrangeiros, com ênfase aos especulativos, em momento sequente as turbulências de abril iniciariam a saída do país dada a percepção de aumento de riscos pela queda das perspectivas econômicas e pela cena conturbada e bastante indefinida no campo eleitoral.

Ao que tudo indica chegamos a este momento, os investidores da Bovespa indicam que estão em retirada crescente e o preço da moeda americana acentua o viés de alta.

Desta forma, a demanda que foi por proteção está em transição para o mercado a vista do câmbio e isto sugere que o BC devesse como temos acentuado, entrar com oferta de linhas de financiamento de linhas em moedas estrangeiras e, acreditamos, diminuindo a oferta de swaps cambiais.

O Brasil perde atratividade pelo conjunto de fatores negativos agora mais transparentes, e a intervenção do BC deve focar mitigar especulação e prover a liquidez na busca de proteção e no mercado de câmbio a vista, pois se buscar confrontar com a tendência sustentável pode criar forte volatilidade.


Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO

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