O governo relutou para retirar as barreiras que havia oposto, até certo ponto de forma excessiva e equivocada à época, ao ingresso do capital especulativo no país, e agora promove a desintervenção de forma tardia, quando o país já está fora do radar dos investidores estrangeiros em renda fixa, e, dependerá de inúmeros fatores para reconquistar um fluxo cambial mais favorável num ambiente de “ressaca” de ingressos, mesmo que predominantemente de capital especulativo.
Mas, enfim, em tempo de necessidade não há como escolher a qualidade.
Teimosamente, o governo manteve postura de que o país estava no “pedestal” e que continuava despertando uma atratividade que já não existia mais, sem atentar para a crescente vulnerabilidade e assim, manteve as barreiras tributárias para os ingressos, que gradativa e tardiamente vem retirando, num processo de desintervenção no mercado cambial.
Manteve um olhar crítico sobre o cenário internacional, e, desconcentrou o foco nos nossos próprios problemas, assim, de repente, eles emergiram e estão causando desconforto.
Deterioração visível na perspectiva das contas externas brasileiras (perda de atratividade dos investidores estrangeiros, fragilização do saldo da balança comercial, aumento das saídas de capitais, etc.) provocou, como causa principal o agravamento da tendência de alta do preço da moeda americana no nosso mercado, fato que ganhou força tendo à margem os sinais de recuperação da economia americana que passou a valorizar o dólar frente às demais moedas globais, exatamente num momento em que o Brasil se defronta com um resistente cenário inflacionário, que levou o governo a elevar a taxa Selic.
Há, também, no nosso entender uma superlativação da questão da redução gradual do programa americano de incentivo à sua economia. O Brasil não foi beneficiado por fluxos intensos decorrentes deste programa, até porque impusemos barreiras, então não há porque temer “enormes” saídas. Efetivamente, o fato é que com a melhora da economia americana ocorre o deslocamento de grande parte dos investimentos para os Estados Unidos, que assim os retira dos emergentes e as fontes de recursos externos sofrerão retração e seus custos serão elevados. A questão é que o início da redução do programa americano ainda poderá levar algum tempo maior do que os especuladores têm propagado e deverá ser gradualíssimo, para não conspirar contra os sinais positivos que têm sido evidenciados de forma moderada pela economia, como salientou a última ata do FED.
É preciso reconhecer que os nossos fundamentos econômicos e as perspectivas de fluxo de recursos externos cadentes e insuficientes para financiar o crescente déficit em transações correntes foi o alimentador mor da alta do preço da moeda americana, fato nunca mencionado pelo governo em suas considerações por seus inúmeros representantes, que sempre destacavam os riscos externos e não os aqui presentes. Isto fez com que este cenário crítico interno ficasse um pouco “mascarado” pelos fatos externos e mais recentemente por uma disseminada simples ideia de que subia aqui em razão de subir no exterior e que tudo decorria da possível redução do programa americano de incentivo a sua economia.
Afora o comportamento do mercado global, no qual nosso real não está entre os protagonistas, sendo mero e discretíssimo coadjuvante, é preciso entender que cada mercado de câmbio reflete também e até predominantemente o “status quo” da economia do seu país.
Aliás, bom lembrar que quando o Presidente Nixon “rasgou” o Acordo de Bretton Woods, afirmou que dali em diante as moedas deveriam repercutir a condição econômica de cada país, e, isto sem ter sido assinado, vale até hoje como princípio.
A desintervenção no mercado de câmbio com a retirada do IOF para os ingressos especulativos foi tomada por inevitável e num claro reconhecimento tácito do governo, por ato e não por palavras, deste quadro crítico.
O governo tem praticamente na medida a última alternativa de solução de mercado para o país atrair maior fluxo de recursos externos e mitigar o risco presente da insuficiência de ingressos ao longo do ano para financiar o déficit crescente em transações correntes. Este fato impacta nas perspectivas colocando um viés de apreciação do real, que poderá se consolidar gradualmente na medida em que muda se confirmem as perspectivas e ocorra o aumento de fluxo objetivado.
Consideramos como praticamente a última, pois a despeito de até termos considerado esta hipótese em nossos comentários antecedentes meses atrás, provavelmente reduzir o prazo dos empréstimos de 360 dias para 90 dias com incidência de IOF de 6% já não promova grande fluxo após o 5º mês do ano, quando as empresas já acomodaram suas necessidades de capital de giro. E, também, por considerarmos remotíssimas as possibilidades do BC vir ao mercado ofertar leilão de moeda efetiva sacando das reservas cambiais brasileiras, hipótese que não seria uma solução de mercado.
O mercado de câmbio por seus “players” tende a pressionar o governo para retirar o IOF de 1% sobre os derivativos, objetivando o aumento da liquidez no mercado futuro, que em tese influencia fortemente a formação do preço no mercado à vista. O governo certamente não o fez juntamente com a desintervenção que reverteu o IOF de 6% para zero, pois o mercado de derivativos tem forte domínio sobre a formação do preço da moeda americana e pode alijar o BC do controle monitorado ou exigir fortes intervenções.
A eliminação deste IOF no mercado de derivativos abriria espaço para o fluxo efetivo de recursos externos oriundos de operações de “carry trade”. Importante salientar que o mercado futuro e os derivativos não envolvem moeda efetiva, mais viabiliza por seus mecanismos que ocorra o fluxo de recursos efetivos.
Face à necessidade premente de melhora do fluxo é possível que o governo, mesmo a contragosto, promova a liberação deste IOF sobre os derivativos.
Os bancos, data base 31/05, estavam “vendidos” líquidos no mercado futuro em US$ 12,35 Bi e “comprados” no mercado à vista em US$ 5,4 Bi. Ante a nova perspectiva é conveniente que vendam inicialmente os dólares que dispõe no mercado à vista a preços ainda elevados, por isso devem resistir à queda imediata, para depois com o aumento do fluxo para o país, que também se reflete em aumento de liquidez de oferta no mercado futuro, num patamar mais baixo de preço e de forma gradual cubram suas posições vendidas no mercado futuro.
Por outro lado, os Investidores Institucionais Nacionais que, data base 31/05, estavam “comprados” líquidos no mercado futuro em US$ 18,46 Bi, devem atuar defendendo o preço elevado do dólar para evitar perder parte do “lucro” contido nas mesmas, com a queda do preço da moeda americana.
Estes fatores retardarão a relação causa/efeito da medida, embora tardia, mas deverá ocorrer melhora no fluxo de recursos, até porque ainda há grande liquidez no mercado internacional e o Brasil, com a alta da Selic, passou a ser atraente. Porém, face aos pontos de resistência à queda será natural a volatilidade e algumas intervenções do BC, como ocorreu ontem.
Evidentemente, o governo não vai admitir ter adotado a medida pelos fatores aqui apontados, sequer que se relacione com aspectos de pressões inflacionárias, etc., mas o fato é que o quadro é crítico, tornando preocupante a deterioração das contas externas; necessidade de conter a alta do dólar por colocar em risco de tornar nula a alta da Selic, etc., impôs a absoluta necessidade da norma ser revista.
Os dados do fluxo cambial divulgados ontem pelo BC, fechamento do mês de maio, demonstrou saldo positivo de US$ 10,755 Bi, resultante de US$ 14,098 Bi positivo no comercial e US$ 3,343 Bi negativo no financeiro. No ano o fluxo está positivo em US$ 12,171 Bi, sendo US$ 18,724 Bi positivo no comercial e US$ 6,553 Bi negativo no financeiro.
Provavelmente este tenha sido o último mês com saldo positivo destacado no fluxo comercial, já que grande parte do câmbio das safras agrícolas já foi negociada.
Merece destaque o fato de que havia no exterior um saldo de exportações com câmbio a contratar em abril no montante de US$ 25,669 Bi que ao final de maio havia sido reduzida para US$ 14,694 Bi, evidenciando que praticamente US$ 11,0 Bi que estavam estocados no exterior ingressaram no país, motivados pela melhora do preço da moeda americana.
Na base de maio temos agora exportações recebidas a ingressar no montante de US$ 14,694 Bi e importações ingressadas a serem pagas no montante de US$ 12,934 Bi, havendo, portanto, somente uma sobra de US$ 1,760 Bi líquido.
O governo agiu com a desintervenção exatamente quando o fluxo cambial tende a se tornar outra vez negativo pela fragilização do fluxo positivo comercial e tendência de continuidade de fluxo financeiro negativo.