Câmbio: ausência de fundamento do conceito “câmbio alto” permite qualquer preço?

Adotando o sofisma “juro baixo câmbio alto”, o governo acintosamente estimulou a propagação de forte movimento especulativo na formação do preço da moeda americana, tendo como epicentro o mercado futuro de dólar, tendo em vista que, desde a virada do ano 2019/2020 quando registrou o preço de R$ 4,01, o fluxo cambial de janeiro e fevereiro não exerceram quaisquer pressões altistas tendo em vista que registram saldo positivo.

Transformado em “política de governo” o estímulo ao juro baixo com câmbio alto tem inúmeros vetores no seu foco, mas a despeito do sucesso chinês onde o governo administrava o preço do câmbio com mão firme com o foco de aumentar a competitividade dos seus produtos no mercado global, sempre contestado e agora já atenuado, não é prática que mereça perspectiva de sucesso, e, no Brasil, já foi tentado em tempos idos pelo então Ministro Delfim Neto.

A tese que confronta a desindustrialização ao estimular a produção nacional em detrimento do produto importado, gerando empregos, renda, etc…. e fomentando a capacidade exportadora do país, é uma das âncoras teóricas, mas é preciso que o setor produtivo sinta-se estimulado a investir fortemente com predominância de tecnologia, com a participação do governo nas áreas que lhe compete, e no caso brasileiro precisa de uma “revolução na infraestrutura de escoamento de produção” com redução drástica do “custo Brasil”.

E quando falamos setor produtivo, isto compreende a presença de capital nacional e capital estrangeiro.

Então se percebe o quanto é frágil esta estratégia, pois temos um setor produtivo atrasado tecnologicamente e com baixa competitividade a partir do produto, com pouca propensão a investir, pois ainda detém capacidade ociosa, e tem pouca confiança na mesma, e esta é a visão compartilhada pelo investidor estrangeiro que não encontra motivação, e na contra ponta está o governo sem condições de investimentos estruturais e de redução do custo Brasil.

Então, não ocorrem as reações esperadas teoricamente por falta de confiança e muitas incertezas quando o governo tenta “dar um drible” em todas as deficiências com o preço da moeda americana.

O Brasil está perdendo a perspectiva otimista, e não se atribua isto grotescamente ao vírus coronavírus e seus impactos na economia mundial, mas sim porque não consegue ganhar tração efetiva a partir de otimismo sustentável na economia nacional.

Há muita desconfiança e intranquilidade com a gestão por conflitos optada pelo governo e por muitos conflitos políticos decorrentes do empenho de manter velhas práticas, e o país precisa de reformas que se configuram urgentes com a tributária e administrativa, mas para as quais antevê claramente muitos entraves, maiores do que a reforma da Previdência que consumiu um largo tempo deste governo.

Está se perdendo a convicção no crescimento que em algum momento anterior chegou a empolgar, e, neste ambiente antes conturbado atribuído ao confronto China-USA adveio o vírus coronavírus.

O fluxo de investimento estrangeiro para o Brasil desaponta e a balança comercial decepciona e o conjunto compromete o déficit das transações correntes, e, o pior, não há expectativa de melhora, pois os preços da commodities repercutem a retração mundial.

Desde a virada do ano o preço da moeda americana que havia registrado R$ 4,01 já beira R$ 4,45 e não podemos menosprezar que, a despeito da discreta ação do BC nas semanas recentes e hoje, já que estava ausente desde 26 de dezembro “assistindo” a elevação da taxa, não há como asseverar que não possa chegar a R$ 5,00.

O que preocupa é que não há “norte” sobe ao fulgor da especulação, mas até quando sem afetar de forma contundente os preços relativos da economia e trouxer de volta, a despeito da mórbida atividade econômica que é fator de contenção, as pressões inflacionárias.

Ah, dizem muito o dólar se valorizou no mundo todo, o que é verdadeiro, mas notoriamente a um descompasso quando vemos o real entre as moedas mais desvalorizadas do mundo, algo como quase 3 vezes a desvalorização das moedas fortes da cesta frente ao dólar no mesmo período, sendo que o Brasil tem suficientes e incontestáveis reservas cambiais e baixo endividamento externo.

Algo está errado, até o nosso CDS “dança” neste clima e flutua entre 90 a 110 pontos nos momentos mais recentes, atestando que somos ainda bom risco.

Está no momento de retomarmos o rudimentar método do “escambo”, para que possamos averiguar o quanto de distorção há no preço da moeda americana no confronto das relações de trocas.

Do que jeito que está, no Brasil o preço do dólar não tem limites e nem fundamentos no momento, e atribuir tudo ao vírus coronavírus é mais cômodo a todos, o que é um ledo engano.


Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO

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