Desde sempre, temos enfaticamente apontado que a apreciação do real que ocorre no mercado de câmbio brasileiro não é consequente do fluxo cambial e, sim, do posicionamento “vendido” dos bancos no mercado à vista, fortemente induzido…
Desde sempre, temos enfaticamente apontado que a apreciação do real que ocorre no mercado de câmbio brasileiro não é consequente do fluxo cambial e, sim, do posicionamento “vendido” dos bancos no mercado à vista, fortemente induzido pela atuação do Banco Central do Brasil com seus leilões de compra diários, na medida em que retira do mercado volumes além do excedente do fluxo.
Por vezes, sustentando esta tese quase que isoladamente ante argumentos inúmeros de que o fluxo cambial era o determinante da apreciação do real, e, que o BC e até o Fundo Soberano deveriam “comprar exaustivamente” dólares diariamente.
Explicamos que no mercado de câmbio, diferentemente do que ilustram os livros acadêmicos, a compra exaustiva não leva o “bem” ,no caso o dólar, à escassez, visto que, em tempos benignos, os bancos dispõem de substantivas linhas de crédito externas que suportam as vendas além dos estoques.
Comprar, portanto, exaustivamente não provoca, como é sempre imaginado, a elevação do preço da moeda americana, principalmente quando a criação de posições “vendidas” é estimuladas pelo próprio gestor da política monetária. Paradoxalmente, provocam a depreciação do preço da moeda americana. E por quê?
Os bancos para promover a entrega dos dólares vendidos ao BC, além do que detém em estoque, sacam de suas linhas externas. Com esta estratégia assumem um passivo em moeda americana junto aos banqueiros a custo de linhas internacionais, algo em torno de 3% mais IR, e os entregam ao BC que lhes paga com reais, que utilizarão no mercado interno para rentabilizá-los com as excepcionais taxas de juros praticadas no país. Além deste custo da linha externa, há o custo variável da variação cambial, diferença entre o preço que venderam os dólares para o BC e o preço que pagarão no mercado quando resolverem se cobrir. E é este item de custo variável que induz os bancos a apreciar o real, de forma que possam adquirir adiante a moeda americana do mercado a preços mais baixos e obter nesta variável não um custo mas um ganho, que dependendo da magnitude poderá até anular o custo externo da linha, resultando então tudo numa exuberante captação de reais a custo “zero”.
Este foi um padrão viciado praticado no mercado com a ação direta do BC, que tinha interesse em manter o real apreciado, utilizando-o como “co-âncora” no controle da inflação, complementando a estratégia tendo como ponto central a taxa SELIC.
Os números divulgados ontem pelo BC enunciam esta realidade. O saldo do fluxo cambial no ano foi de US$ 24,3 Bi período em que o BC retirou do mercado com seus leilões US$ 41,4 Bi, levando os bancos a constituírem posições “vendidas” no final do ano de US$ 16,8 Bi. São números que deixam evidente a indução do BC à formação destas posições pelos bancos.
A rigor, não faz nenhum sentido agregar-se às reservas cambiais brasileiras US$ 41,4 Bi quando o saldo positivo do fluxo foi de tão somente US$ 24,3 Bi, deixando evidente que colocou divisas nas reservas cambiais oriundas de aumento de passivo dos bancos, pela utilização de linhas de crédito externas que deram suporte as posições vendidas de US$ 16,8 Bi.
Temos salientado a identificação nos sinais iniciais do novo governo, já a partir da medidas prudenciais ainda do antigo governo em dezembro, que deverá haver uma nova matriz de controle inflacionário, não mais atuando sobre as consequências e sim sobre as causas.
A decisão de elevar compulsórios e contingenciar prazos no crédito às pessoas físicas, embora ainda no antigo governo nos pareceu já “por conta e ordem” do próximo, foi uma sinalização precisa que o consumo interno será desaquecido. Este é um ponto de natureza interna que tem causado pressão a inflação.
A manifestação do novo governo de que adotará rigor fiscal e cortará substantivamente os gastos governamentais, será mais um ponto interno de pressão inflacionária combatido.
Dentro deste novo perfil, a taxa de juro SELIC perde o galardão de único instrumento de contenção de inflação e o dólar poderá ser liberado da sua situação de “co-âncora” com o real apreciado, com a estratégia acima descrita, podendo ter um preço mais equilibrado e justo.
Tudo isto tem sido pautado em nossos comentários, desde sempre e mais recentemente.
HOJE, O BANCO CENTRAL DO BRASIL, através a CIRCULAR No. 3520 instituiu o recolhimento compulsório sobre a posição “vendida” dos bancos no mercado de câmbio.
Nossa leitura inicial é que é um reconhecimento efetivo de que o real apreciado vinha sendo utilizado como instrumento de política monetária para controlar a inflação, e que este governo não seguirá mais a estratégia do governo anterior, portanto não estimulará mais a formação de posições “vendidas” pelos bancos no mercado à vista.
É uma norma forte, pontual e certeira.
Porém, foi estabelecida de forma “prudencial”, ao fixar um limite tolerado alto de US$ 3,0 Bi por banco e um prazo de 90 dias para adequação. Se fizesse algo mais abrupto, com limite isento menor e aplicação imediata, certamente, provocaria forte volatilidade na formação do preço da moeda americana.
Dada a prudência contida no normativo, estabelecendo um valor que consideramos elevado para as posições “vendidas”, considerando o objetivo do governo de coibir o movimento pró- apreciação do real, e o prazo concedido, não deverá ter efeito fortemente impactante de imediato no mercado de câmbio, até porque iria contra o interesse dos detentores das posições “vendidas” da ordem de US$ 16,8 Bi que tenderão a cobri-las obtendo ainda o melhor preço.
Informações preliminares apontam que a medida poderá contrair o volume das posições “vendidas” para US$ 10,0 Bi.
Oportuno salientar que a autoridade poderá, se entender necessário, alterar este limite estabelecido de US$ 3,0 Bi e assim ir reduzindo mais as posições “vendidas” dos bancos, gradualmente.
Como a medida não é imediatista, será normal que o preço da moeda americana assuma um viés de alta extremamente gradual ao longo dos 90 dias, período em que os bancos deverão estar atuando visando à cobertura das posições.
Os exportadores fecharam o ano de 2010 com um estoque de US$ 24,7 Bi no exterior, que poderão ingressar num ambiente de preço melhor para a moeda americana, representando fundos acima dos US$ 16,8 Bi de posições “vendidas” dos bancos, e as importações registravam tão somente o montante de US$ 2,7 Bi a liquidar.
Particularmente, entendíamos que o BC protelaria um pouco uma intervenção mais contundente nos fatores e práticas pró-apreciação do real presentes no mercado de câmbio e estimulados pelo próprio BC , pois o preço do real apreciado ainda contribuiria para o controle inflacionário neste período de início de ano, quando inúmeros fatores pontuais pressionam os indicadores.
Antecipou-se, todavia, dando prazo para o ajuste, mas não perdendo tempo para sinalizar a mudança que promoverá na estratégia de enfrentamento da inflação. Marcou posição.
A descontinuidade da utilização do real apreciado por parte do governo como parte da política monetária, sentimento fortalecido pelo normativo de hoje, também repercutirá nos posicionamentos dos mercados futuros, já que também naquele ambiente, eram formados com a convicção de que a tendência do real era consistente pois fazia parte de estratégia de governo no controle da inflação. Esta certeza deverá desaparecer e a tendência ser mais decorrente do próprio mercado flutuante.
Em linha de coerência, será imperativo que o BC só intervenha no mercado de câmbio à vista, com os seus leilões de compra, até o volume excedente ou menos. A rigor, também, deveria atuar de forma incerta, tornando-se menos previsível, não necessariamente todos os dias.