Já ficou no passado a confusão contumaz que Buenos Aires era a capital do Brasil, até porque este também foi um dos pontos firmados pela Lava Jato perante o mundo, todos sabem agora que é Brasília.
Portanto, é preciso considerar o ocorrido com o país vizinho nas devidas proporções para não “promovermos” impactos na nossa economia além do racional.
O povo argentino “desvalorizou” o valor econômico de seu país perante a comunidade global em algo como 30%, como síntese dos vários impactos, ao sinalizar uma eventual decisão política em prol da oposição, e, de forma severa não há como não se ter a expectativa de que o próximo evento possa ser o “default”, que consolidará as repercussões negativas, o que, mais uma vez, isolará o país, mas desta vez, poderá não haver “afinidades” com o governo brasileiro e o relacionamento poderá ser mais distante.
Perde com esta perspectiva a Argentina com ampla disfuncionalidade dos seus parâmetros como inflação, valor da moeda, juros, solvência, etc… tudo de ruim e praticamente nada de bom.
Perde o Mercosul, embora os volumes de exportações brasileiras já tenham sido reduzidos substantivamente se bem que é um historicamente um grande cliente. Perde o Acordo em andamento Mercosul-União Europeia que deve retroceder como efeito natural, e, perde a região dado os vasos comunicantes e ilações visionárias que podem especular sobre uma “nova Venezuela”, o que seria drástico.
Porém, como bem disse o Presidente do BC, Campos Neto, o Brasil pode conviver com este quadro de forma tranquila, tendo em vista que a visibilidade das nossas reservas cambiais afasta qualquer ilação de contaminação da questão Argentina, pois o país está soberbamente defendido e isto é de conhecimento global.
O Brasil tem seus problemas pontuais, que não devem ser doravante atribuídos a questão Argentina, como a falta de atratividade por parte dos investidores estrangeiros e por falta de tração de sua economia que tem um governo, firme nas reformas, mas impotente para prover o país com investimentos estruturais que gerem emprego, problema de grande dimensão na atualidade, renda e consumo e que motive o setor produtivo, com grande capacidade ociosa e estoques, a encontrar motivação para investimentos e impulsionar a atividade econômica, gerando adicionalmente à ação do governo, empregos renda e consumo.
O Brasil, neste momento, está amplamente vulnerável à aversão ao risco predominante no mercado global, que tem o seu epicentro no embate comercial entre Estados Unidos e China, que avançou da guerra tarifária para o perigoso e desestabilizador confronto utilizando câmbio e juros como elementos complementares, que colocou os mercados e investidores em postura defensiva fomentando forte aversão ao risco, que afeta diretamente os países emergentes, prioritariamente, embora haja desajustes em inúmeras economias não emergentes.
O que entendemos precisa ser bem diferenciado é o fato de o Brasil ter problemas intrínsecos ao seu “status quo”, reconhece-los e não buscar “mascará-los” com o problema argentino e que, a rigor, somente a ele cabe prover soluções, que, contudo, se colocam como grande desafio, salvo se o Governo resolver desfazer o “nó” existente de carência de recursos, não com aumento de impostos como se insinua nas colocações do Secretário da Receita Federal, mas com posturas agressivas e surpreendentes e criativas, como temos aventado com a possibilidade de utilizar parte das reservas cambiais, sabidamente excessivas, para fomentar os investimentos imprescindíveis para acionar a tração da atividade econômica e motivar o setor produtivo.
Afinal, as reservas cambiais não foram constituídas com superávits fiscais, mas tão somente com aumento da dívida pública.
Efetivo impacto no Brasil tem a disputa comercial entre Estados Unidos e China, que para muitos coloca presente o risco até de recessão global, que gera disfuncionalidades nos preços relativos da economia mais acentuados ao agregar no “jogo” não somente tarifaços, mas práticas cambiais nefastas diretas e perspectivas de uso adicional do juro como fator de influência nas paridades cambiais.
Este embate tornou o mercado global mais defensivo e cauteloso fomentando a aversão ao risco, assim as perspectivas para o Brasil tornam inevitável o impacto no câmbio pela busca no cenário global do dólar como “porto seguro”, ainda que tenhamos reservas cambiais substantivas e nenhum risco de crise cambial, e que coincide com um estado de fluxo cambial negativo para o país e estreitamento severo da taxa de juro interna com a externa, que pode ser fator – via cupom cambial – de maior aperto na formação da taxa cambial a partir do mercado à vista.
É preciso sensatez neste momento e não se fazer o Brasil “vítima” dos problemas dos “Hermanos”, acompanhando e sabendo exatamente onde poderá haver impactos comerciais, principalmente, comprometendo o Mercosul e seus mais recentes avanços, mas sem assumir influências já não mais cabíveis e dar-lhes dimensões exageradas.
O viés do dólar em alta é consistente, embora possa até ocorrer volatilidade, pois a insegurança consequente do embate entre China-USA prioriza a segurança em detrimento da rentabilidade, e este é um cenário que não permite prognósticos sobre a sua duração.
A China continua estabelecendo a paridade do yuan frente ao dólar acima de 7, hoje pouco acima de 7,03.
A Bovespa deve sofrer com a retração e até retirada de investidores estrangeiros, este mês já acima de US$ 1,0 Bi, tendo em vista que o investidor nacional não tem potencial para alavancar e sustentar altas, assim deverá ter comportamento volátil, com viés de baixa.
A saída, bem a saída requer atitudes agressivas e imediatas do Governo brasileiro ao “status quo” em que depende somente de si e não pode contar com o mercado global para sair da inércia da atividade econômica.
A ideia de utilizar as reservas cambiais neste contexto de “beco sem saída” nos parece plausível, afinal seria uma estratégia agressiva e de impacto.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO