O desafio maior para a política monetária pode vir do câmbio

Inúmeras vezes destacamos que o setor externo poderia ser o grande problema para a política monetária do governo este ano, em especial no quesito de controle de inflação, havendo agora mais clareza a respeito disto.

Ontem, quando o BC apresentou o seu RTI-Relatório Trimestral de Inflação fez a revisão do crescimento do PIB de 2% para 1,6%, ainda excessivamente otimista tendo em vista as mais recentes projeções do mercado que o colocam mais próximo de 1% com viés de baixa, e, ao mesmo tempo, revisou a projeção para a inflação medida pelo IPCA elevando-a para 6,4%, que sugestiona o mercado a admitir até que o piso alto da meta de inflação de 6,5% possa vir a ser superado.

Considerou para formulação destas projeções o preço da moeda americana em R$ 2,25, também um dado que nos parece subestimado, quando o mercado minimamente a coloca em R$ 2,40.

Muito importante observar a menção da percepção de que a inflação deve persistir resistente nos próximos meses, o que permite admitir-se que o BC precisará muito do comportamento da taxa cambial num patamar que não agregue pressão inflacionária, e este será, sem dúvida, provavelmente o maior desafio.

A autoridade monetária destaca que os efeitos das ações de política monetária sobre a inflação ocorrem com defasagem e que, neste processo, estão envolvidos diversos canais, como demanda, crédito, câmbio e expectativas. Contudo, esses diferentes vasos de comunicação operam não necessariamente com a mesma intensidade e simultaneamente.

O BC avalia que pressões inflacionárias ora presentes na economia, a exemplo das decorrentes dos processos de realinhamentos de preços e de ganhos salariais incompatíveis com ganhos de produtividade, “tendem a arrefecer ou, até mesmo, a se esgotarem ao longo do horizonte relevante para a política monetária”. 

Estes dois últimos pontos não são passíveis de serem revertidos tão facilmente, visto que embora com um crescimento pífio do PIB a geração de emprego continua aquecida, embora já tenha dado sinais de perda de intensidade, mas implicaria em desemprego de uma substancial massa de empregados e que, então, com a perda de renda diminuiriam a demanda de forma mais intensa. Desta forma os preços da economia e os ganhos salariais acima da produtividade seriam ajustados.

Porém, nada sugere que isto seja factível.

É importantíssimo observar que a manutenção do real apreciado será fundamental para o BC manter a inflação sobre controle, mas o cenário prospectivo para os fluxos cambiais para o país se configura negativo, já havendo sinais desta tendência a partir dos dados do segmento financeiro divulgados pelo BC, e estes contextos antagônicos serão desafiadores para os objetivos da autoridade monetária.

Então como manter o dólar na faixa de R$ 2,20 a R$ 2,25 num ambiente que tende a evidenciar forte transição da demanda no mercado futuro (hedge=proteção) que implicará em queda da demanda de “swaps cambiais” para forte demanda no mercado à vista que requer moeda estrangeira efetivamente disponível para dar suporte às saídas de recursos do país?

Acreditamos que inviável.

É importante considerar que a grande demanda por “swaps cambiais” já foi atendida e que na medida em que os recursos estrangeiros forem deixando o país, mais intensamente os de natureza especulativa que entraram ao longo do 1º trimestre deste ano, esta demanda tende a recrudescer com o ajuste nas rolagens, aliás, como já foi detectado pelo próprio BC, e este instrumento financeiro perderá força de impacto na formação do preço do câmbio que passará a repercutir mais o comportamento do mercado à vista que estará demandando moeda efetiva num ambiente de fluxo negativo para o país.

Este é o ponto que consideramos o desafio maior para o BC, pois não será tão fácil estabilizar preço da moeda americana, com grande possibilidade de intensa volatilidade sempre que procurar intervir. Terá que contar com os bancos expandindo suas posições vendidas, lastreadas em financiamentos provavelmente do próprio BC, ou diretamente realizar ofertas de dólares à vista ao mercado.

O instrumento “swap cambial” é importante para mitigar insegurança quanto ao preço da moeda e prover a adequada proteção ao passivo existente em moeda estrangeira, mas não é dólar efetivo, aquele que dá liquidez aos pagamentos internacionais, por isso nem tudo é controlável com a utilização deste instrumento quando o movimento é de saída de recursos.

Afora os inúmeros pontos que temos destacado como fomentadores à saída de recursos do país, em especial os de natureza especulativos ingressados, renovam-se sinais preocupantes de que os Estados Unidos poderá vir a adotar mudanças em sua política monetária antes do previsto, e isto acarreta preocupações para os países emergentes, nos quais se inclui o Brasil.

Ontem o Presidente do FED de Saint Louis, James Bullard, indicou a possibilidade de a instituição elevar os juros já no 1º trimestre de 2015, e, o Presidente do FED de Richmond, Jeffrey Lacker, afirmou que o FED deve começar a elevar a taxa de juro no próximo ano, mesmo se a economia do país não mostrar um crescimento substancial.

Insinuações desta natureza se vierem a ganhar corpo podem motivar a reversão de recursos estrangeiros locados nos países emergentes antes mesmo do final do ano de 2014, sendo mais um fator de pressão adversa às pretensões do BC brasileiro.

À exemplo do que ocorreu com a Nota do Setor Externo, o Relatório Trimestral de Inflação tem um tom muito otimista face à realidade presente e às perspectivas relativamente bem fundamentadas para o final deste ano.

Mas esta postura por parte do BC é compreensível, o que não implica concordamos e vermos prospectivamente o mesmo cenário.

CONTINUAMOS PLENAMENTE CONVICTOS DE QUE O SETOR EXTERNO (CÂMBIO) SERÁ O GRANDE ENTRAVE PARA OS OBJETIVOS DA POLÍTICA MONETÁRIA DO GOVERNO.

 

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