A massificação cotidiana das notícias abordando a pandemia cria certa intimidade das sociedades com o tema que até, por puro descaso, passam a considerá-lo fora da dimensão e relevância que efetivamente representam como ameaça mundial.
Sinais prematuros de superação do sério problema de saúde pública se tornam fatos muito mais otimistas do que sugerem se vistos com acurácia e sensatez, pois nem os bons sinais podem ser considerados sustentáveis e imunes a retrocessos.
É preciso entender que o que está ocorrendo não guarda semelhança com movimento “stop and go”, ou seja houve uma interrupção que superada tudo segue como dantes, não há nada que possa induzir a isto, nem mesmo que a recuperação da economia será em V ou em W, o que se percebe é uma profunda mudança estrutural do conjunto que envolve as atividades econômicas dos países, que não sugere que a retomada ocorra de forma rápida e consistente, muito pelo contrário tenderiam a ser lentas e com novos hábitos e práticas no entorno do emprego e afetando significativamente a geração de novos postos.
O legado sugere o pós pandemia com um mundo globalizado com novo perfil, mais defensivo e menos dependente o que sugere um certo protecionismo, em que as perdas de renda e a poupança por precaução continuarão pesando no consumo, causando a demanda fraca, e, ainda perdurando hábitos preventivos, distanciamento social, enfim um novo contexto que tenderá a dificultar a normalização da atividade econômica.
Nada tende a ser entusiasmante, mas sim a ser um novo desafio, então de redinamizar o contexto de economias que restaram drasticamente atingidas.
O Brasil tem um quadro conflituoso e de difícil superação que promove a dicotomia entre economia e saúde, havendo uma ansiedade pelo retomada da atividade econômica até porque o governo central não dispõe de recursos para manutenção longa e volumosa de auxílio emergencial à população de menor renda, mas havendo, sobretudo divergências onde deveria prosperar a convergência e isto tudo torna o cenário mais complexo.
A ata da última reunião do COPOM, que foi objeto de nossas críticas ontem, demonstrou por seu texto distanciamento da efetiva situação da economia do país, ao sugerir que a mesma tenha atingido o “fundo do poço” em abril e que terá um péssimo resultado da atividade no 1º semestre, mas que no segundo semestre entrará em gradual recuperação.
Entendemos que não há sinergia entre o exposto naquela ata e a efetiva situação do país, que, a bem da verdade, não tem noção clara sobre em que estágio está da crise da pandemia que continua agressiva e revelando crescimento horizontal com números de infectados e mortalidade preocupantes.
Parece já haver pouca sensibilidade ao fato de termos atingido 50.000 mortos e mais de milhão de infectados, mas o que está ruim pode ficar pior, o MIT que havia prognosticado estimativa de mortalidade de 50 mil até junho no Brasil já apresentou projeção de 100 mil até julho, e o problema se expande para o interior dos Estados e a preocupação deve se acentuar com as tentativas de retomada da atividade da economia que deve constatar que o número de infectados é muito maior do que os dados que têm sido disponibilizados.
Não há convicção de que não haverá agravamento do quadro econômico brasileiro ainda no segundo semestre, e enquanto o Boletim FOCUS indica a mediana de 6,50% de queda do PIB, o FMI piorou a estimativa para o Brasil para 9,1%, já bastante drástico mas ainda assim pode ser considerado empírico pois não há como se ter a percepção clara da dimensão desta retração.
O FMI prevê um déficit fiscal de 16% do PIB no Brasil neste ano, com a dívida bruta alcançando 102,3% do PIB.
O superávit em transações correntes do Brasil foi de US$ 1,326 Bi em maio, chegando em 12 meses a um déficit equivalente a 2,54% do PIB, o resultado veio abaixo das expectativas que se situavam em US$ 1,9 Bi, mas acreditamos que a tendência seja de melhores resultados nos meses próximos visto que a pressão de saída de recursos estrangeiros do país é cadente e da mesma forma importações e remessas de lucros e dividendos consequentes da inércia da atividade econômica.
No nosso entender ainda falta muito para a B3 ganhar tração sustentável de alta, a atividade econômica, com exceção do agronegócio, ainda está letárgica..
O dólar alto faz parte da política de governo e deve se manter acima de R$ 5,00 com ambiente benigno , mas limitado pela situação fiscal do país e ação do BC, e, até uns R$ 5,50 num ambiente mais adverso, com agravamento da pandemia e necessidade do governo manter planos emergenciais e animosidade política.
Há absoluta necessidade de o governo implementar o andamento das proposituras das reformas e, também, do incremento ao programa de privatizações, entendendo que este precisará de marcos regulatórios firmes para evitar judicialização e entraves ideológicos, e poderá despertar grande atratividade para os investidores estrangeiros.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO