O otimismo global deixou na sexta feira sinais do quanto é frágil a sua sustentabilidade concreta, visto que houve fortes evidências das dissensões políticas que causam impactos nas expectativas até então otimistas, e que, adicionalmente, vê o rebote da crise da pandemia tomar dimensões extremamente preocupantes, a despeito dos avanços das vacinas e suas utilizações em caráter emergencial.
Nos Estados Unidos contrariando as expectativas de que haveria avanços rápidos e efetivos na aprovação do programa de estímulos fiscais, os sinais de convergência estão rareando e isto frustra o otimismo que fomentava a fragilização do dólar no mercado internacional e a distensão de capitais “empoçados” pela aversão ao risco que passaram a buscar novas locações focando rentabilidade e disseminando-se por inúmeros mercados globais, o que incluiu até o Brasil, que estava com sua atratividade aos investidores estrangeiros “em baixa” desde muito, dada a inércia da atividade econômica e expressiva crise fiscal.
Além disto, embora haja previsão para a utilização da vacina preventiva ao coronavírus, o número de infectados e mortalidade vem assumindo números extremamente expressivos e preocupantes e a situação pode afetar a atividade econômica da principal economia do mundo.
Há expectativa, agora que a Suprema Corte afastou a viabilidade das tentativas últimas de Trump para conseguir reeleger-se, que o Congresso americano possa construir a necessária convergência em torno do soberbo programa de estímulos fiscais.
O “ambiente americano”, neste momento, é o mais importante determinante para o “ambiente global”, que, contudo, convive com outros problemas pontuais.
Houve então um “stop” na última sexta-feira e isto repercutiu no comportamento dos mercados financeiros globais, principalmente dada a valorização do dólar e o comportamento cauteloso das bolsas americanas.
Vamos observar nesta segunda-feira se acontece o “go”, ou se ocorrerá um período mais longo deste hiato.
Na Europa, as grandes dificuldades do Acordo pós-Brexit afetam o comportamento do mercado financeiro e das suas moedas, a libra esterlina e o euro, com este revelando fragilização. O Primeiro Ministro britânico já destacou a possibilidade de prevalecer um não acordo dado a dificuldade de convergência, o que seria muito ruim.
E no Brasil, as dissensões são predominantes em quase tudo que ocorre no país, que está sempre pronto para desconstruir necessárias e imperativas convergências, e que, até o que era emergencial e fundamental, a PEC emergencial “saiu de férias” e volta o ano que vem, juntamente com o Ministro da Economia que também está saindo de férias de 18/12 a 08/01, e naturalmente Brasília ficará deserta sem discussões relevantes, e até fevereiro deverá prevalecer a efervescência da disputa pelas Presidências da Câmara e Senado que dá sinais de polarizações e estagnação das pautas até que ocorram estas definições, e, então poderão ser criadas novas expectativas sobre o andamento que estão represados politicamente na Câmara, mas para as quais o Governo Federal precisará assumir protagonismo e não somente ficar esperando que o Poder Legislativo resolva se e quando desejar.
O governo não tem ainda definido um programa de renda básica, que sucederá o generoso programa assistencial implantado ao longo da pandemia do coronavírus que será encerrado ao final deste mês.
O Ministro Guedes afirmou que o final do programa contribuirá para diminuir as pressões inflacionárias, o que tem uma obviedade malvada que leva a imaginar-se que se uma grande parcela da população, desempregada e desalentada, para de “consumir e se alimentar” diminui a pressão sobre os preços pelo arrefecimento da demanda.
O governo agora mais desperto com admissão da gravidade do coronavírus, mas sempre conflitante, passou a apoiar a vacinação repercutindo alinhamento com o Presidente americano Trump, mas mesmo assim com intensas reticências e, comete um forçado despiste quanto à dura realidade presente do rebote forte da pandemia que, em perspectiva, sinaliza que podem ser necessárias medidas restritivas a segmentos da atividade econômica.
O mercado financeiro, certamente, manterá a expectativa sobre a independência do BC e a efetiva tendência de mudança do forward guidance do BC/COPOM sinalizando ajuste na SELIC e, deixando de considerar, até para que não ocorra o desgaste, de que a inflação é temporária.
Efetivamente, o preço do dólar mais assertivo com os parâmetros reais tende a impactar nos preços dos produtos alimentares exportáveis, mas no Brasil a reversão de preços é, culturalmente, sempre resistente, o que invalida a tese da inflação temporária, mas o fim do programa assistencial do governo diminuirá o consumo destes itens, embora isto seja altamente preocupante, pois tende a aumentar a população em estado de miséria e pode provocar perturbações sociais.
O fato é que este sentimento de indefinições e transferência de matérias relevantes deste ano para o ano que vem e perspectiva de retomada somente após a acomodação política das novas presidências da Câmara e Senado, ou seja, pós fevereiro, pode provocar retração dos investidores estrangeiros e isto afetar a impulsão da Bovespa e conter a queda do preço do dólar no nosso mercado.
O assunto vacinação, por sua polarização política, retirou de cena o questionamento sobre a crise fiscal, mas, certamente, não foi afastada da visão mais arguta dos investidores estrangeiros.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO Corretora de Câmbio