Circulação: 07 a 09 de Março de 2020
O Ministro Paulo Guedes “criou” o dogma de sustentabilidade de sua estratégia para buscar reabilitar a dinâmica da atividade econômica brasileira, sintetizando-a em “câmbio alto e juro baixo”, e alardeou que o país adentrava em novo momento com a nova realidade do país combatendo a desindustrialização, etc, etc… já que se propunha como solução “indireta” para contornar todos os males que afetavam o país, e, naturalmente, para os quais o governo não tinha soluções e nem recursos para implementar as adequadas correções.
Entre os arroubos, chegou a afirmar que o dólar a R$ 5,00 o governo venderia suas reservas cambiais de forma otimizada, cometendo um crasso erro de afastar-se da postura sensata que deve nortear a fala de um Ministro e assumir a manifestação típica de um “trader especulador”, o que foi fator preponderante para impulsionar um severo movimento especulativo sobre a formação do preço da moeda americana a partir do mercado futuro de dólares.
O que não foi fundamentado e nem deixado claro é qual seria o conceito de “câmbio alto” no Brasil, assim qualquer preço poderá ser o preço, mas o que se assiste agora é a dicotomia entre o discurso que vem sendo mantido pelo Ministro Guedes, já que seria lamentável se contrariasse a sua crença no meu do cenário conturbado, e a ação do Banco Central do Brasil, que, destemidamente, procura conter a alta fortemente conduzida por especuladores com a oferta de swaps cambiais tradicionais.
Há claramente, uma sensação de que foi “perdida a mão” em relação a evolução do preço da moeda americana, e, agora ocorre o acentuado contraditório entre o discurso permanente do Ministro e a ação ostensiva oposta da autoridade monetária.
Seguramente, o Banco Central do Brasil precisará “devolver” ao mercado a quase totalidade do “hedge” retirado do mercado com os leilões de “swaps cambiais reversos” colocados conjuntamente com a oferta que realizou de moeda à vista num passado recente, denominado leilões neutros de vez que a autoridade desta forma inibia a correção do preço da moeda americana com a oferta à vista retirando oferta de hedge do mercado futuro.
Houvesse se limitado, naquela oportunidade, a tão somente realizar oferta de dólares à vista teria inibido a impulsão de alta do preço da moeda americana, mas ao contemporizar para mantê-la alta mesmo com a oferta de liquidez, deu sustentabilidade ao dogma da política econômica do Ministro Guedes, do dólar alto.
O juro baixo se sustenta na baixa inflação, decorrente da absoluta inércia da atividade econômica que inibe a ocorrência de inflação.
Enfim, o diagnóstico deixa evidente que o dogma para alicerçar a nova política econômica tem forte tendência ao fracasso, pois nem motivou o setor produtivo ao investimento produtivo, nem impulsionou as exportações dando-lhe competitividade porque nosso produto tem baixo conteúdo competitivo e a parte relevante das exportações é do agronegócio que são cotados em Bolsas internacionais.
Após a reforma da previdência, era aguardado apressamento sequencial de novas reformas, como a tributária e administrativa e ajustes imediatos, e, em decorrência disto, houve uma onda de otimismo vislumbrando-se a possibilidade do país ganhar tração em sua atividade econômica, mas a estratégia de “cambio alto e juro baixo”, com o câmbio alto sendo construído com forte indução e quase na marra pelo governo que se ausentou do mercado para conter a alta especulativa ancorada no discurso do Ministro, acabou por fragilizar o otimismo e colocá-lo em rota do negativismo, já presente, mas pouco propagado.
O “câmbio alto” também tinha, entre tantos, o objetivo de tornar o país considerado “caro” mais “barato”, mas também não atraiu nem investimentos estrangeiros na conta capital e, muito menos, no mercado acionário.
A Bovespa realizou movimento de valorização com esta expectativa que se frustrou, mas também basicamente ancorada pelo ingresso de pessoas físicas migrantes do mercado de renda fixa praticamente exterminada com a redução do juro.
O que se assiste com a derrocada da Bovespa é fruto da queda brusca das perspectivas em torno da economia brasileira, mas preponderantemente devido à postura do novo personagem pessoa física, que no fundo é um rentista e não um investidor, e assim sendo, ao primeiro abalo afetando preços adota a decisão de retirada imediata e acaba por precipitar o pior.
O quadro atual é preocupante e ocorre uma quase absoluta desestruturação dos fundamentos, o que não permite que se tenha alguma convicção sobre tendência, mas reconhecendo que a “trajetória” de volta pode ser custosa e deixar muitos prejuízos no percurso.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO