Dólar tem se valorizado frente a moedas emergentes, mas economista vê fragilidades nacionais que potencializam alta da moeda americana.
No dia 20 de março, o dólar fechou o dia valendo R$ 3,3084. Era apenas a segunda vez em 2018 que a moeda americana havia ultrapassado a barreira dos R$ 3,30. Desde o início de 2017, a cotação flutuava confortavelmente quase sempre perto dos R$ 3,20.
Nesse período, foram raros os momentos em que o dólar valeu mais de R$ 3,30. No dia seguinte à divulgação da delação da JBS, um dos momentos de maior nervosismo no Brasil, o dólar teve uma alta recorde, mas não passou de R$ 3,38. Passado o momento inicial da crise, o câmbio voltou a oscilar perto do preço usual no período.
Depois de 22 de março, porém, o dólar nunca mais fechou um pregão valendo menos que R$ 3,30. Era o início de uma rápida e consistente escalada na cotação da moeda mais segura do mundo em relação ao real.
Depois que o câmbio atingiu os R$ 3,74 na sexta-feira (18), o Banco Central anunciou que iria aumentar as intervenções no mercado. Na prática, isso significa vender dólares, agora ou no mercado futuro, para garantir a oferta e tentar evitar uma corrida pelo dólar. A cotação fechou o dia a R$ 3,68.
A taxa de câmbio, como o preço de qualquer mercadoria, depende da oferta e da demanda. Quanto mais as pessoas quiserem trocar real por dólar, mais cara vai sair a moeda americana. E vice-versa. Por isso, o preço do dólar em relação ao real depende de uma série de variáveis que influenciam a escolha por uma ou outra moeda. Podem ser fatores internos ou externos.
O patamar atual, na casa dos R$ 3,70, é o mais alto desde maio de 2016, quando o país vivia as incertezas do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A diferença é que naquela época o risco Brasil, medido pelo banco JP Morgan, estava em quase 400 pontos – atualmente está na casa de 250. O número, apesar de muito menor do que dois anos atrás, tem aumentado desde janeiro.
Por outro lado, há um movimento mundial de valorização do dólar na comparação com moedas de países emergentes, como é o caso do Brasil. O rublo russo, o rand da África do Sul e a lira da Turquia estão entre as afetadas. Na Argentina, a crise cambial obrigou o governo a pedir socorro ao FMI e subir os juros para 40% ao ano.
Sobre a recente a alta do dólar na comparação com o real e com outras moedas emergentes, o Nexo entrevistou Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio.
Especialista em câmbio, o economista reconhece que a valorização do dólar é um movimento mundial, mas aponta um risco interno no Brasil que colaborou para que o real tenha se desvalorizado mais que a média das moedas dos países emergentes.
Qual o peso dos juros nos EUA na desvalorização do real?
Sidnei Nehme -O juro americano motiva o redirecionamento de recursos, há uma procura pelo aumento de rentabilidade. A alta do dólar é sustentável, tem fundamento. Mudou o patamar do câmbio, mudou o humor externo em relação aos emergentes, há uma atratividade maior nos Estados Unidos. Isso impacta no mundo todo.
Esse é o peso externo. Mas há um peso interno que não tem sido reconhecido porque o pessoal não gosta de falar que a coisa aqui vai mal.
Se olhar os emergentes, o real se desvalorizou mais que a média. Mas comparando o perfil dos países, o Brasil é o que tem melhor estrutura para não sofrer impacto imediato. Ou seja, o real deveria ter se desvalorizado menos que a média dos emergentes. Essa diferença a mais é o risco interno.
Quais as diferenças entre a alta do dólar no Brasil e em outros emergentes?
Sidnei Nehme – O Brasil tem uma série de fragilidades presentes, crise fiscal, economia patinando. Por outro lado, há um mercado financeiro mais sofisticado e reservas cambiais. Os impactos serão menores, mas em algum momento haverá saída de recursos.
No Brasil, a valorização do dólar não ocorreu pelo deslocamento do recurso, não houve fuga de capitais. O Brasil tem um mercado financeiro mais sofisticado que outros emergentes, não tem risco de crise cambial porque há reservas.
Não há saída de recursos em intensidade para explicar a desvalorização do real. O que houve foi que, com a desvalorização do real, aumentou a busca de proteção [compra de contratos que dão o direito a dólar em uma determinada cotação numa data futura]. A procura afetou a taxa de câmbio, primeiro a taxa futura, que contaminou a taxa à vista. O volume de negócios de câmbio futuro aumentou muito entre março e abril, é busca por proteção.
Em outros países emergentes, a injeção foi direto na veia, a crise se deu por saída de recursos. É o caso da Argentina que teve que mexer nas reservas cambiais, por exemplo.
Qual o gatilho para a recente disparada da moeda americana?
Sidnei Nehme – Quando se consolidou a percepção de que haveria inflação e consequentemente aumento de juros nos Estados Unidos, o mercado atropelou o banco central americano e começou a já negociar os títulos do governo com juros de 3%. O mundo todo ficou atraído por essa aplicação. Isso causa pressão. A taxa de juros no Brasil, agora, tem uma diferença muito pequena para esses 3%, diminui a atratividade. Mas a alta é mundial.
A incerteza eleitoral já afeta o câmbio? Qual o risco de isso acontecer nos próximos meses?
Sidnei Nehme – A incerteza no Brasil não é só eleitoral. Há riscos no Brasil que não estavam e ainda não vêm sendo rigorosamente observados. O Banco Central sabe, mas não fala. Ele age. E aí ele não reduziu a taxa de juros como todo mundo esperava.
A atividade econômica patina, não há a recuperação propagada pelo governo, é a mais lenta das recuperações, não gera emprego. Há um quadro de crise fiscal. No cenário político, não há candidatos comprometidos com as reformas bem colocados nas pesquisas.
O Banco Central não tem como conter a tendência, o que está fazendo é amortecer um pouco a intensidade, para conter danos.
Fonte: Nexo Jornal Autor: José Roberto Castro Link: www.nexojornal.com.br/…/Quais-fatores-internos-e-externos-pesam-na-desvalorização-do-real Data de publicação: 22/05/18 |