Avanço da moeda desacelerou depois da oferta do BC, mas pesaram fatores externos e declaração de Campos Neto no Senado
Mesmo após três dias consecutivos de alta, o dólar chegou a ultrapassar R$ 4,19 nesta terça-feira, 27, e terminou a R$ 4,1575, com ganho de 0,43%. É a maior cotação da moeda americana em mais de onze meses – desde 14 de setembro de 2018. No mês de agosto, o dólar já acumula alta de 8,84% e só perde para a disparada de 28% na Argentina.
O aumento da pressão compradora sobre o dólar havia ocorrido no mesmo momento de uma deterioração do quadro internacional, conforme a inversão da curva de rendimento dos Treasuries se acentuou, aumentando a aversão ao risco. As Bolsas de Nova York renovaram mínimas e o Ibovespa reduziu significativamente a alta. O principal índice da Bolsa brasileira terminou o dia aos 97.276,19 pontos, em alta de 0,88%.
O avanço mais firme da divisa veio com declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, no Senado, interpretadas pelo mercado como uma sinalização de que a autoridade monetária não via necessidade de ação mais agressiva para segurar o dólar. O dirigente disse que o real não tem tido “movimento atípico” em relação a outras moedas de países emergentes, mesmo que nos últimos dias tenha se desvalorizado “um pouco acima” de seus pares.
A alta da divisa levou o Banco Central a promover um leilão de moeda no mercado à vista, com lote mínimo de US$ 1 milhão, o que provocou desaceleração instantaneamente. O leilão foi feito entre 13h20 e 13h25. Com o anúncio da oferta, o dólar baixou rapidamente do nível de R$ 4,19 para R$ 4,14 e em seguida voltou a subir, mas em ritmo bem menos intenso e ficou boa parte da tarde na casa dos R$ 4,15.
Agentes do mercado interpretaram que, ao fixar no leilão a taxa de corte em R$ 4,125, o BC sinalizou que está desconfortável com um dólar acima deste nível, já que poderia pressionar a inflação e atrapalhar a estratégia de corte de juros. Ao colocar a taxa bem abaixo da cotação no momento do leilão (R$ 4,18/R$ 4,19), o diretor de um banco destaca que o BC não estava preocupado em prover mais liquidez ao mercado. Se a questão fosse de falta de dólares, o BC poderia ter anunciado a venda de dólares a qualquer valor que o mercado estivesse disposto a pagar para atender a demanda.
No mercado futuro, investidores continuam reforçando posições contra o real. Os fundos de investimento reduziram somente na segunda-feira, de acordo com dados da B3, em US$ 725 milhões suas posições vendidas (que ganham com a queda do dólar), uma sinalização de que não veem espaço para quedas importantes neste momento. Os investidores estrangeiros elevaram as apostas compradas (que ganham com a alta do dólar) em US$ 232 milhões.
O giro no mercado futuro hoje foi um dos mais altos das últimas semanas, somando US$ 30 bilhões até às 17h10. No mesmo horário, o dólar para setembro operava estável, a R$ 4,1555. Este contrato vence na sexta-feira e hoje chegou a ser negociado abaixo do dólar à vista, movimento comum perto dos vencimentos. No mercado à vista, o giro foi de US$ 1,3 bilhão, em linha com os últimos dias.
Guerra Comercial
A cautela com as incertezas do cenário internacional faz o dólar avançar ante praticamente todas as moedas emergentes. Além das dúvidas quanto à guerra comercial entre Estados Unidos e China e a desaceleração da economia mundial, pesaram no ânimo do investidor as questões domésticas, em meio a uma percepção de desgaste político do governo.
No Brasil, o radar segue ocupado pelo desgaste do presidente Jair Bolsonaro após a questão da Amazônia, entre outras, e preocupações com a situação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além do foco no andamento da reforma da Previdência. O relatório da proposta foi entregue ao Senado. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a economia fiscal deve ser reduzida em relação ao esperado anteriormente.
Para os economistas, se o dólar ficar estacionado entre R$ 4,10 e R$ 4,20, o BC já pode ser obrigado a rever as pespectivas de corte da Selic, os juros básicos, hoje em 6% ao ano, pois um dólar mais caro já impactaria na inflação.
“Internamente, as falas do presidente Jair Bolsonaro sugerem uma tensão continuada com o presidente da França, Emmanuel Macron, e isso implica em maiores ruídos no câmbio”, diz o economista-chefe da Necton, André Perfeito. Ele estima que a moeda poderia chegar a R$ 4,30 no curto prazo.
“Localmente, temos um governo que está cometendo uma série de erros na comunicação e dificuldade de relacionamento com outras esferas da vida pólitica, tornando o ambiente muito tóxico. O ambiente externo tem ficado cada vez mais sombrio, se o discurso não mudar, vamos ter problemas”, diz o economista-chefe da Macrosector, Fabio Silveira.
Silveira lembra que os atritos entre o presidente Bolsonaro e o líder francês, Emmanuel Macron, pode ter impactos negativos na economia. “O Brasil pode começar a ter os produtos agrícolas sendo punidos no mercado internacional. O agronegócio é 22% do nosso PIB, já temos uma indústria enfraquecida e um setor de serviços patinando. Talvez fosse melhor se o presidente fizesse um voto de silêncio”, diz Silveira.
Alívio pontual com o leilão
Ao avaliar o comportamento dos ativos domésticos após o leilão de dólares do BC, um profissional do mercado financeiro chamou atenção para a queda da Bolsa e alta dos juros futuros. “Mostra preocupação. O alívio foi pontual e só no dólar. A primeira leitura de quem está no mercado é a de que entramos em espiral de alta e o mercado vai ‘chamar’ o BC com frequência”, disse, pontuando que o mercado de câmbio local tem trabalhado com uma volatilidade “bem maior em relação a outros emergentes”.
O inesperado leilão foi uma estratégia correta, para atender uma demanda do mercado, avalia o responsável pela área de câmbio da Terra Investimentos, Vanei Nagem. “A alta do dólar estava muito agressiva, o BC tinha que entrar”, diz ele, ressaltando que a instituição está retomando a postura do passado, se mostrando mais presente.
O economista Sidnei Nehme, sócio-diretor da corretora NGO, diz que o Banco Central deve ser mais incisivo em suas intervenções cambiais e não avisar previamente ao mercado sobre suas intenções de venda à vista, como fez nesta tarde. O especialista calcula que, para atender à demanda do mercado e ajudar a tirar a pressão do dólar, o BC precisaria vender a diferença entre a posição cambial vendida dos bancos menos o volume de linha com recompra emprestado ao mercado, num total estimado por ele de cerca de US$ 15 bilhões.
Diferentemente da oferta realizada pela manhã, que já era prevista e teve como objetivo a rolagem de contratos que estão por vencer, a operação da tarde não teve como objetivo rolar vencimentos. Em razão disso, o BC não divulgou o montante ofertado nem mesmo quanto foi vendido.
Fonte: O Estado de S.Paulo Autor: Paula Dias, Renata Pedini, Altamiro Silva Júnior, Silvana Rocha e Douglas Gavras Link: estadao.com.br/…em-dia-instavel-dolar-bate-em-r-4-19-bolsa-recupera-perdas Data de publicação: 27/07/2019 |