Operação do BC agrada mercado porque reduz o custo da dívida; leilões de swap reverso compensam venda de dólares da reserva
Pela primeira vez desde a crise de 2009, o Banco Central venderá dólares à vista das reservas internacionais, atualmente em US$ 388 bilhões. A medida foi bem recebida pelo mercado, e a percepção é de que, embora possa contribuir para uma queda pontual do dólar, a operação não vai mudar a tendência de alta da moeda no médio prazo, que é um movimento global.
O dólar comercial fechou em queda de 1,242%, para R$ 3,9903 na venda e R$ 3,9878 na compra. O Banco Central anunciou na noite de ontem que vai leiloar US$ 550 milhões por dia entre 21 e 29 de agosto, totalizando US$ 3,845 bilhões no período.
Até agora, em momentos de alta da moeda americana, a autoridade monetária leiloava contratos de swap cambial tradicional, que equivalem à venda de dólares no mercado futuro (o BC emite os títulos e o tomador recebe a variação do dólar mais uma taxa de juros em dólar, chamada de cupom cambial).
Feitas em reais, essas operações não afetam as reservas internacionais, mas têm impacto na posição cambial do Banco Central e aumentam os juros da dívida pública do país.
Agora, o BC atuará de maneira diferente. Além dos US$ 550 milhões que serão vendidos por dia no mercado à vista, ele também vai comprar diariamente o mesmo valor em contratos de swap cambial reverso, que funcionam como compra de dólares no mercado futuro (o BC recebe a oscilação do dólar e quem toma o ativo receberá a variação do juro em reais).
Caso a demanda por dólares à vista fique abaixo desse valor, a autoridade monetária completará a operação com contratos de swap tradicional.
“Essa emissão de dólares não só ajudará a conter a apreciação da moeda, que superou os R$ 4 na última sessão, aumentando a liquidez no mercado, mas também ajudará a reduzir a dívida bruta (ao vender dólares, o BC recebe reais e resgata a dívida)”, escreveram os analistas Thiago Salomão e Matheus Soares, da corretora Rico, em relatório.
Além da redução do custo da dívida, o que foi bem recebido pelo mercado é que a medida do Banco Central atende à menor necessidade de hedge por meio de swaps cambiais e ao aumento da demanda por liquidez no mercado à vista.
A atuação do BC não coloca as reservas em risco porque a venda no mercado à vista é compensada pela redução do estoque de swaps. “Alivia a pressão adicional que poderia vir do mercado de cupom cambial pela baixa liquidez do mercado à vista e pelo estreitamento do juro interno e externo”, diz Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora. O cupom cambial para janeiro de 2020 cai hoje após quatro altas seguidas.
Contudo, afirma o especialista, há uma pressão de alta do preço do dólar conjuntural que manterá a tendência, especialmente com as incertezas geradas em torno da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que acabam afetando todos os países.
“Os Estados Unidos com perspectiva de recessão, contrapondo-se à sua dinâmica forte até então. A Europa afetada pela perda de atividade da Alemanha, perdendo ritmo de atividade e naturalmente de crescimento. E a China revelando queda da produção industrial, atingindo o menor ritmo de 17 anos”, diz Nehme.
“O Brasil, sabidamente, tem uma situação cambial fortemente defendida ao deter reservas cambiais acima de US$ 380 bilhões e déficit em transações corrente equilibrado. Mas a aversão ao risco deflagrada no cenário global, que desloca recursos em busca de proteção para o ouro, dólar, iene e franco suíço, provoca desvalorização conjuntural das moedas emergentes, como o real, frente às moedas e ativos “portos seguros” e provoca a valorização das mesmas no mercado global.”
O fluxo cambial neste mês até o dia 9 está positivo em US$ 169 milhões, mas as saídas financeiras registram US$ 2,112 bilhões. “No contexto atual é inevitável que o real, moeda de país emergente, a despeito de o país estar bem ancorado na questão cambial, não repercuta de forma direta a pressão do mercado global com a aversão ao risco”, conclui o diretor de câmbio da NGO.
Limite de uso das reservas
Em entrevista à Bloomberg, Tony Volpon, economista do UBS e ex-diretor do Banco Central, disse que a venda de um volume limitado de reservas cambiais, de US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões, não causará impacto sobre o nível de risco do Brasil.
Porém, se o montante for maior, na casa dos US$ 50 bilhões, isso pode ser preocupante.
Segundo o economista, o estoque de swaps chega perto de US$ 70 bilhões e, pela maneira como o BC fez o anúncio da atuação, “o teto desta estratégia seria este volume de swaps que o mercado já tem”.
As saídas de dólar, explica Volpon, levam à falta da moeda no mercado à vista e aumentam o cupom cambial — que é a taxa em dólar que o investidor consegue obter no Brasil. O aumento do cupom, por sua vez, deveria atrair fluxo estrangeiro, na teoria. Mas o capital não está vindo para o país por vários fatores, como a guerra comercial.
“A nova atuação com venda de dólar à vista vai permitir a redução das operações compromissadas com dívida pública, que entram no cômputo da dívida bruta. A redução da dívida tem sido um foco do ministro Paulo Guedes, como também apontam as devoluções dos recursos do BNDES ao Tesouro. Se o dólar continuar subindo a um nível que afete as projeções de inflação, isso reduz o espaço para o BC continuar cortando a Selic. O dólar ir para R$ 4 não muda o orçamento de redução dos juros, mas há um dólar que pode mudar.”
Fonte: InfoMoney Autor: Anderson Figo Link: infomoney.com.br/dolar-tem-queda-pontual-com-leiloes-a-vista-do-bc-mas-pressao-externa-mantem-tendencia-de-alta Data de publicação: 15/08/2019 |