A semana que começou com os bancos centrais armados para enfrentar tumultos cambiais provocados pelo anúncio, que não houve, do começo do enxugamento das emissões do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, terminou em trégua. Não tem nada resolvido, mas é como se tudo estivesse encaminhado. Os mercados no mundo se assustaram com um Fed menos leniente com a liquidez, que se expande com a compra mensal de títulos do Tesouro
A semana que começou com os bancos centrais armados para enfrentar tumultos cambiais provocados pelo anúncio, que não houve, do começo do enxugamento das emissões do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, terminou em trégua. Não tem nada resolvido, mas é como se tudo estivesse encaminhado.
Os mercados no mundo se assustaram com um Fed menos leniente com a liquidez, que se expande com a compra mensal de títulos do Tesouro norte-americano (T-bills) e de papéis hipotecários ao ritmo de U$ 85 bilhões, e o Federal Reserve, diz o economista Fernando Montero, se assustou mais ainda com a reação dos mercados.
No Brasil, a cotação do dólar bate em R$ 2,45 desde maio, quando o presidente do BC dos EUA, Ben Bernanke, indicou o início da retirada do laxismo monetário — “tapering”, significando redução gradual, conforme o processo foi apelidado nos mercados. E estaria valendo ainda menos (apressados falaram em taxa cambial de R$ 2,70 até dezembro), caso o Banco Central brasileiro não contra-atacasse com leilões semanais de US$ 3 bilhões por meio de swaps e vendas a termo (que não implicam sacar contra a reserva de divisas do país).
Deu certo. O real se valorizou, estando ao redor de R$ 2,22, e se prevê que fique por ai, aproximando-se de R$ 2,30 no fim do ano. O BC fará leilões semanais até lá. “Naturalmente, não há especulação que resista à fartura”, diz Sidnei Nehme, da corretora NGO. “O BC conseguiu expurgar o conteúdo especulativo do preço da moeda. Foi eficaz, com uma estratégia simples e inteligente.”
Do bloco dos emergentes, o Brasil se safou melhor relativamente à maioria, como Índia, Indonésia e Turquia, graças ao mercado futuro. O resto se viu forçado a entregar dólares à vista aos capitais em debandada e a subir juros — para tentar evitar o coice da inflação decorrente do repasse da depreciação cambial aos preços.
Foi essa antessala de uma recessão encadeada no mundo, assim como o aumento dos juros de mercado nos EUA e a volta do debate sobre o teto da dívida pública do país no Congresso, que fez o Fed recuar. Mas o tal “tapering” da liquidez ainda é certo, só foi adiado.
Dívida dos EUA dá o rumo
Provavelmente, o tapering virá depois de o governo Barack Obama e de o Congresso decidirem se ampliam o corte do orçamento (com risco de abortar a recuperação da economia e o emprego) ou dilatam o teto da dívida, de US$ 16,7 trilhões, facilitando ao Fed girar seu balanço inflado, sem pressão adicional sobre a taxa de juros do mercado.
As condições fiscais dos EUA já foram piores. Do pico de US$ 1,4 trilhão, o deficit fiscal vem diminuindo, estando estimado em US$ 400 bilhões no fim do ano. Num cenário em que os republicanos mais radicais são isolados, a Câmara aprova o aumento do teto da dívida pública, aliviando a pressão fiscal. A política monetária volta ao campo neutro e o Fed começa a desacelerar as emissões. O aumento do juro básico viria depois de um ano, até por não haver nenhum risco de inflação (ainda abaixo de 2% em 12 meses) à vista no horizonte.
Em meio a dois eventos
As possibilidades do Fed não são ruins para a economia global. Mas não aceitam complacência. O tapering, disse o ministro de Finanças da Coreia do Sul, Hyun Oh-seog, aos colegas da Ásia que se reuniram nesta semana para tratar da cúpula, mês que vem, em Bali, da OMC, a Organização Mundial do Comércio, “continuará um importante fator de risco nos mercados globais”. A trégua do Fed é para arrumar a casa.
Países com deficits em conta corrente insustentáveis, como Índia e Indonésia, não encontrarão facilidades no mercado. E as medidas da China para reduzir a sua dependência dos investimentos para crescer vão continuar desinflando o balão das commodities. O Brasil está em meio aos dois eventos. Tem rombo externo com viés de alta e é com minérios e grãos que banca (com folga até um ano atrás) o deficit estrutural da indústria, o que se deve ao nível da demanda interna.
Para ser outra marolinha
É assim que o país se apresenta para o ano eleitoral: talvez tendo de encolher a demanda, se o buraco externo ficar desafiador, e com a chance de o crescimento econômico pegar no tranco, se for mais ou menos tudo bem com as concessões de logística e com o campo gigante de Libra, no pré-sal. Se a gestão fiscal mostrar-se eficaz, o que é um desafio a ver, o tapering pode passar quase como uma marolinha.
O adiamento da mão dura do Fed afasta, por ora, o risco do coice do cambio sobre a inflação. Ela continua latente. No IPCA-15, relativo a setembro, a inflação caiu pela primeira vez no ano abaixo de 6%, para 5,93%. Mas, no mês, voltou a subir, saindo de 0,07% no IPCA-15 de julho, para 0,16% em agosto e 0,27%. Como o emprego voltou a subir, com 127,6 mil novas vagas abertas em agosto, é melhor conter o gasto fiscal que inflar a Selic. Ou esperar e por a culpa no Fed.
Deixem o dólar de fora
Quanto mais existir o ímpeto de culpar os outros por percalços da economia, mais difícil será escapar de problemas. Que também tendem a crescer quanto menos as concessões de infraestrutura se devam aos seus atributos, mas à atração dos subsídios. Se tratada como parte relevante da recuperação da produtividade empresarial, interagindo com os aportes de prováveis investidores externos do campo de Libra para atenuar o movimento descendente das commodities, pode-se falar em processo de transformação estrutural da economia brasileira.
Qualquer outro desenho, sobretudo sem aumento da taxa de poupança nacional e maior exposição da indústria à concorrência global, será mais do mesmo: a demanda atada à importação, a inovação empresarial atrasada em relação às economias mais dinâmicas, as empresas ainda pedindo mais câmbio, menos impostos. E isso com o viés demográfico avançando o salário sobre a produtividade. É comodismo esperar que o dólar caro refaça tal cenário. O Fed não é parte dessa trama.
Fonte: Jornal do Commercio Link: http://goo.gl/E7jTY7 Autor: Antonio Machado Data de publicação: 23/09/2013 |