O que esperar de um cenário com a economia deteriorada?

Para quem esperava que, com o início do recesso parlamentar, esta semana seria de mais calmaria, pelo menos no campo político-econômico, se decepcionou. Mais do que isso: além das turbulências, o mercado agora passou a precificar novamente o novo cenário econômico, tanto em termos de perspectivas para a trajetória da política fiscal quanto para a política monetária, o que afeta as bolsas, os juros futuros e o dólar. Enquanto os juros futuros indicam uma alta de 0,5 ponto percentual na Selic e o dólar futuro subiu 4,7% na semana, o Ibovespa despencou 5,9%, abaixo dos 50 mil pontos.

As mudanças já foram sinalizadas na semana passada. Após diversas negativas de que a equipe econômica do governo iria revisar a meta de superávit primário, até então em 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto), os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciaram o corte da meta para 0,15% do PIB. No discurso do anúncio, Levy e Barbosa traçaram um cenário de decepção com as receitas, mas “exaltaram” a transparência.

Essa “surpresa” fez com que o Ibovespa caísse forte enquanto dólar e DI engataram fortes trajetórias de alta, em meio às indicações de que as prioridades mudaram. “Antes focado na redução da relação dívida/PIB, o governo terá agora por objetivo evitar uma significante deterioração dos níveis da dívida”, afirma a Eurasia em relatório. O ajuste fiscal deve ser ainda mais longo e mais demorado, enquanto o corte do rating parece mais perto de ter acontecido.

Dois dias depois, novas sinalizações foram feitas pelo Banco Central. Na sexta-feira (24), o ex-diretor de Política Econômica do BC, Luiz Awazu, afirmou em discurso no Rio de Janeiro que, apesar de progressos recentes no combate à inflação, existem novos riscos para a projeção sobre o IPCA em 2016. “As expectativas de inflação ainda estão cerca de 90 pontos-base acima da nossa meta no fim de 2016”. Com isso, por mais um dia, os juros DI dispararam, em meio às perspectivas de que a Selic irá subir 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetárias (Copom).

A fala de Awazu representou uma mudança em relação aos discursos recentes do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que apontava que a atuação do BC estava dando resultados. Com as falas do presidente da autoridade monetária no mês passado, o mercado apontou mais fortemente para uma alta de 0,25 ponto percentual, o que está sendo revisto agora. Ou seja, Awazu mudou o cenário, levando os investidores a correr atrás da aposta de um BC mais “dovish” (brando) em relação à política monetária, apesar do cenário de baixa atividade econômica.

Em apenas dois dias, o Ibovespa caiu mais de 4%, em meio ao novo cenário: mais dificuldades à vista e um aperto maior do que o esperado na Selic. Enquanto isso, os juros futuros e o dólar disparam. Mas como deve ser o novo cenário, de continuidade das altas da Selic e perspectivas ainda mais deterioradas para a economia?

Segundo André Muller, economista da Quest Investimentos, nesta semana o principal driver para o qual o mercado deve olhar é a decisão de juros do Copom, já que o mercado agora precifica uma elevação de 0,5 ponto percentual. Se o BC tome alguma decisão diferente desta, os investidores ficarão mais pessimistas. “Juros abaixo disso teriam um impacto negativo, pois aumentaria a visão de intervenção política na autoridade monetária”, disse o economista. Para o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, o BC enterrou a chance de uma alta de 0,25 ponto percentual.

Dólar e Bolsa
No caso do dólar, o banco Société Générale aumentou as perspectivas para a alta da moeda, destacando que ele deve chegar a R$ 3,60 em oito semanas em meio ao corte da meta de superávit. ‘‘Com a deterioração das contas fiscais e crescimento vacilante, o Brasil está agora à beira de perder seu status de grau de investimento ao longo dos próximos meses”, afirma o banco. E, conforme apontou Flavio Serrano, economista-sênior do BESI Brasil, uma das indicações do BC são os riscos para a inflação no próximo ano. Enquanto o Société Générale vê o dólar a R$ 3,60, o diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, destaca que, ainda que as projeções sejam prematuras, o cenário prospectivo sugere o patamar acima de R$ 3,40 ao final do ano, afinal o mercado já estaria precificando o rebaixamento de rating.

Ou seja, o cenário fiscal mais deteriorado, o aumento das estimativas de despesas obrigatórias em R$ 11,4 bilhões com as medidas de ajuste amenizadas pelo Congresso, leva a um dólar mais alto em meio às perspectivas de um downgrade em breve. “A situação de juros já ficou agravada. Com a recessão instalada, o Copom traria um alívio, mas a política fiscal esmorecendo indica juros mais altos, o que leva a um efeito de estagflação. A Selic deve subir 0,5 ponto percentual e pode subir mais 0,5 ponto depois. E o Congresso também não ajuda ao conceder um aumento de 78% para o setor Judiciário. Foi antipatriótico, uma vileza”, afirma Celso Grisi, economista e presidente do Instituto de Pesquisa Fractal.

E o cenário pode representar uma “armadilha”, já que a alta de juros para combater a inflação aumenta o custo da dívida brasileira, o que aumenta o risco para o Brasil e valoriza o dólar, levando a uma maior inflação e, assim, a uma taxa de juros elevada. “Eu acho ruim esse ciclo se tornar vicioso, mas em algum momento teremos que romper com isso. O fato é que o aumento de juros acaba produzindo uma dificuldade grande no longo prazo. Estamos pensando num IPCA em quase 10% para rolar a dívida. Através da alta de juros, outros instrumentos foram tirados do governo. Esse é o drama que nós estamos vivendo”, afirma Grisi. Com isso, o mercado deve permanecer negativo nos próximos dias em meio ao ciclo vicioso de ajuste fiscal prejudicado fazendo com que o ajuste monetário seja mais pesado, o que faz aumentar a dificuldade de conseguir pagar a dívida.

Para Celso Grisi, o que aconteceu de fato é que estamos em uma situação em que os investidores ficaram com a confiança abalada. Com a redução da expectativa do superávit ficou claro que o governo não se sente mais capaz de equilibrar as contas públicas. Esperava-se para o segundo semestre uma estabilização com austeridade fiscal mas, agora, o ajuste está mais longe e postergado.

Desta forma, afirma Grisi, a política monetária é a única que sobrou para ancorar as expectativas de inflação. Para o Ibovespa, o cenário é de continuidade de queda. Porém, há quem se beneficie desse cenário. “Quem vai ter impacto positivo será o setor do agronegócio e exportadoras, por conta da alta do dólar”, afirma. Enquanto isso, o setor imobiliário ficará definitivamente estagnado, enquanto a escassez de crédito deve aumentar. “Bancos podem lucrar com a taxa de juros e o aumento do spread”, aposta Grisi.

 

Fonte: Revista Amanhã
Autor: InfoMoney
Link: http://goo.gl/M2ZQ1u
Data de publicação: 27/07/2015

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