A crise econômica, somada à política, levou quase todos os indicadores do país a retrocederem em 2015. Retomar o crescimento é o desafio para 2016.
Quando 2015 ficar para trás e fizer parte dos livros de História, é bem provável que a crise vivida hoje ocupe um bom número de páginas. Poucas vezes o Brasil passou por um período tão turbulento na economia, com recessão forte e inflação alta. Mas não foi só isso. Praticamente todos os indicadores mostram que neste ano o país engatou marcha a ré e pisou no acelerador: indústrias produziram menos, famílias consumiram menos, empresas contrataram menos e trabalhadores ganharam menos, voltando atrás vários dos quilômetros socioeconômicos avançados na última década.
Em alguns casos, o retrocesso leva a resultados semelhantes aos do início dos anos 2000. Os preços subiram a um ritmo não visto desde 2002. O peso da dívida pública voltou aos patamares de 2004. Combinados com o recuo expressivo do Produto Interno Bruto (PIB) e a instabilidade política gerada pela crise em Brasília, os indicadores dão a impressão de que estamos de volta à década de 1980.
O temor de economistas é que o passo atrás dado em 2015, e que deve ser repetido, pelo menos em parte, em 2016, coloque em risco conquistas sociais dos últimos anos. A preocupação foi expressa por Flávio Comim no discurso de agradecimento por ter sido escolhido Economista do Ano pelo Conselho Regional de Economia (Corecon-RS). Doutor em Cambridge e com passagem pela Organização das Nações Unidas (ONU), Comim manifestou o risco de que a população das classes D e E, que levou sete ou oito anos para passar para a classe C, retorne à situação anterior em apenas dois anos.
— Estamos jogando fora nosso bônus demográfico, já que a riqueza de um país é a formação da inteligência e da capacidade do jovem — diz Comim.
A inquietação também é de economistas de linha mais liberal, como Monica de Bolle, com passagem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington (EUA).
— Se nada fizermos, teremos um processo muito danoso para a economia brasileira e, principalmente, para aquelas pessoas que ascenderam à classe média nos últimos 10 anos. Sabe essa história do PT de que foram capazes de tirar 35 milhões de brasileiros da pobreza e levá-los à classe média? São exatamente essas as pessoas que mais sofrem com o avanço do desemprego de um lado e o aumento desenfreado da inflação de outro — afirma Monica.
A redução da meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) e o esperado rebaixamento do Brasil por mais uma agência de classificação de risco, no caso, a Fitch, em dezembro, fecham o ano marcado por retrocessos e reforçam os desafios para os próximos anos.
Para a guinada ocorrer, é preciso que o governo recupere a credibilidade frente à iniciativa privada e investidores — missão agora que cai sobre as mãos de Nelson Barbosa, recém-empossado ministro da Fazenda no lugar de Joaquim Levy. Recebido com desconfiança pelo mercado, que vê nele um ministro menos preocupado com o ajuste nas contas públicas do que o antecessor, Barbosa tem o desafio de convencer o Congresso a aprovar medidas de ajuste fiscal em meio a um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Economistas divergem sobre a capacidade do novo ministro em realizar mudanças necessárias.
Nenhum indicador refletiu tão bem o cenário turbulento deste ano quanto o câmbio, que avançou 48,5% em 2015 e atingiu o patamar histórico de R$ 4,24 em setembro passado — nas casas de câmbio, o dólar turismo chegou a ser vendido a R$ 4,45. Apesar de prejudicar quem pensava passar férias no Exterior, a alta do dólar por si só não pode ser considerada um retrocesso porque também traz benefícios para a economia — incentiva a produção industrial e favorece a balança de pagamentos do país, por exemplo. A oscilação expressiva, no entanto, deixa marcas do agravamento da saúde da economia brasileira ao longo dos meses. O câmbio flutuante e as intervenções diárias do Banco Central impediram que a moeda americana disparasse, como ocorreu em 1999 ou logo após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, mas não impediram que o câmbio atingisse o maior valor nominal já visto.
— A tendência é de que esse quadro absolutamente desfavorável se reflita ainda mais no dólar, que logo no início do ano pode ir a patamares elevados. O Banco Central detém instrumentos limitados para conter pressões maiores e consistentes. Não se pode descartar até a ocorrência de movimentos especulativos sobre o real — afirma Sidnei Moura Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora e especialista em câmbio.
A expectativa de analistas é de que 2016 seja ainda ruim, mas menos pior do que foi 2015. O mais recente relatório Focus, divulgado no início da semana passada, prevê recessão de 2,8% no próximo ano. O começo da recuperação depende da agilidade dos parlamentares em encontrar uma solução rápida para o impasse político instalado no Congresso. Se o embate entre governo e oposição se estender por muitos meses na Câmara e no Senado, corre-se o risco de o país ficar mais um ano preso ao passado. Mesmo que a moda seja cíclica e possamos voltar a usar mangas bufantes e penteados volumosos, não se deseja o retorno da década perdida.
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Fonte: Zero Hora |