Fechando a roda

O processo de fechamento do círculo sobre as economias encharcadas na enorme liquidez internacional, virando-se à custa de dívida e de deficits externos, deu outra volta, torcendo a relação de troca das moedas em relação ao dólar. No Brasil, o dólar progride, apesar das atuações do Banco Central. E da desoneração da taxa de 6% criada para barrar o capital externo interessado em papéis de renda fixa.

O processo de fechamento do círculo sobre as economias encharcadas na enorme liquidez internacional, virando-se à custa de dívida e de deficits externos, deu outra volta, torcendo a relação de troca das moedas em relação ao dólar. No Brasil, o dólar progride, apesar das atuações do Banco Central. E da desoneração da taxa de 6% criada para barrar o capital externo interessado em papéis de renda fixa.

Noutro dia de razia do real, o dólar abriu cotado a R$ 2,162 e tendia a superar seu último recorde, registrado em maio de 2009 (R$ 2,172). O BC interveio com um leilão de swap, que equivale à venda futura de dólares (mas sem a entrega física de divisas), forçando a taxa a cair a R$ 2,143. O alívio foi curto. E o BC voltou à carga.

O viés do dólar é de valorização no mundo. A agência Standard & Poor’s (S&P) — a mesma que dias atrás pôs em observação o conceito de grau de investimento do Brasil — elevou a perspectiva da nota de crédito dos EUA de negativa para estável, sob o argumento de que “o desempenho da economia vai igualar ou ultrapassar o de seus pares”.

Foi outro aviso em linha com os sinais do Federal Reserve (Fed) de que deverá em breve começar a desativar a sua política de emissões monetárias, o quantitative easing, ou QE — o programa de emissões aplicadas na compra de dívida pública e hipotecas visando destravar o crédito ao consumo e à indústria para ativar o crescimento.

A banca dos EUA tem preferido manter tal liquidez, que se expande ao ritmo de US$ 85 bilhões ao mês, aplicada sem riscos no Fed, não emprestá-la nem aplicá-la em papéis de países emergentes — premissa que levou o governo Dilma Rousseff a deter com medidas tributárias e aumento do prazo de permanência o ingresso de hot money. “Tsunami monetário”, segundo denunciava a presidente Dilma Rousseff.

O fato é que a economia privada nos EUA se mostra mais forte que a inépcia de seus políticos e vem crescendo a despeito da oposição do Partido Republicado, avesso a deficits fiscais, e do governo Barack Obama — um presidente cada vez mais titubeante, além de turvado por escândalos de espionagem. A S&P destaca a resistência da economia.

Mais PIB e menos dívida
Ela fora a única grande agência de análise de risco a reduzir, em agosto de 2011, a nota de crédito dos EUA do tríplice AAA, que hoje distingue só uma seleta de países, como Alemanha, Finlândia, Canadá e Suíça, para AA+. A perspectiva de devolvê-la ao pedestal combina o relativo sucesso do corte do deficit público este ano (de US$ 642 bilhões previstos em fevereiro pelo Congresso dos EUA para US$ 203 bilhões, o menor desde 2008), sem grandes danos para o crescimento.
Nas projeções da S&P, a economia dos EUA tende a crescer de 2% a 3% nos próximos três a quatro anos, com a dívida em relação ao PIB se estabilizando em torno de 84%. Hoje, é da ordem de 100%.

A medida do descompasso
A retomada da economia nos EUA, segundos o consenso entre a banca e economistas, implica a volta de boa parte da liquidez global ao circuito do dólar, como papéis de dívida pública e privada, imóveis e ações, levando-o a se apreciar. No cenário do banco suíço Pictet, o dólar deverá subir a 1,22 em relação ao euro no espaço de um ano, estando em 1,32. O nível de equilíbrio dos juros dos papéis de 10 anos do Tesouro é estimado em mais de 3% — a medida do descompasso da inflação, da Selic real e da taxa cambial vis-à-vis aos EUA.
Os mercados antecipam tais movimentos, já que até agora não houve inflexão do laxismo do Fed. Espera-se que a saída de campo do QE seja lenta para suavizar a correção de curso. Na prática, ela se dá na correria, dada a expectativa de depreciação global dos ativos. O preço de commodities como petróleo, minérios e grãos, por exemplo, é tanto menor quanto maior a força do dólar.

Dólar não estava furado
A economia brasileira entra na dança do dólar, tal como em outros rodopios dos EUA, com o pé em falso. No governo Lula, BC e Fazenda operavam com o cenário de longo declínio dos EUA, devido ao suposto esgotamento do capitalismo e à ascensão da China, o que prenunciava um ciclo sem fim de valorização das commodities e enterro do dólar.
Não era para se preocupar, assim, com os deficits externos, seria fácil financiá-lo com a demanda chinesa. Quando começou a mudar tal cenário no governo Dilma, supôs-se que a desaceleração da China, ao esfriar o preço das commodities, traria um alívio à inflação. Não viram, constata-se, a ascensão do dólar como um fator adicional a desestabilizar a inflação e o giro das contas externas. E assim viemos, com frustrações seriadas. Resta ao governo evitar a debacle do real e salvar os leilões de concessões, a prioridade da hora.

Duro é segurar o rojão
A rigor, a economia está melhor na perspectiva do que sugere toda a agitação cambial. O crescimento tende a ganhar tração, embora em marcha lenta, e a inflação, a perder força. Mas o mercado explora as inconsistências entre gasto público, demanda e deficit externo em relação ao dólar que o BC parece visar para desinflacionar a economia, algo na faixa de R$ 2,10. O preço para o mercado sossegar o facho seria o fim da taxa de 1% sobre o mercado de derivativos.
O BC responde com os tais swaps, que são instrumentos financeiros indexados ao cambio e aos juros, como explica o economista Sidnei Nehme. “Servem de proteção cambial, mas não pagam as contas”, diz.
Resolve-se só com dólar sonante, via maior ingresso de moeda. O problema, argumenta, é o ambiente negativo em torno do país. “As nossas fragilidades são destacadas”, avalia, “e pouco ou quase nada as virtudes propagadas no passado recente”. A simpatia se foi. Se aguentar o tranco, o governo pode fazer limonada do limão cambial, com o ajuste estrutural do real valorizado. Duro é segurar o rojão.


Fonte: Jornal do Commercio
Link: http://migre.me/eZ7Ze
Autor: Antonio Machado
Data de publicação: 12/06/2013

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