Antônio Machado – O X da questão

A confirmação do obituário das empresas do grupo X, do empresário Eike Batista, e a volta das operações do Banco Central de venda de dólar no mercado futuro, os tais swaps cambiais, indicando incômodo com a debacle acelerada do valor do real, tiveram o efeito de um coffee break em meio à tensão que revolve a economia nos últimos dias. Mas nada está resolvido. O próprio fato de o mercado respirar graças ao colapso de um grupo cujas ações capitanearam o crescimento da bolsa no apogeu do governo Lula é uma amostra da delicadeza do momento.

A confirmação do obituário das empresas do grupo X, do empresário Eike Batista, e a volta das operações do Banco Central de venda de dólar no mercado futuro, os tais swaps cambiais, indicando incômodo com a debacle acelerada do valor do real, tiveram o efeito de um coffee break em meio à tensão que revolve a economia nos últimos dias. Mas nada está resolvido. O próprio fato de o mercado respirar graças ao colapso de um grupo cujas ações capitanearam o crescimento da bolsa no apogeu do governo Lula é uma amostra da delicadeza do momento. Esperava-se o ritual das exéquias do X (letra transmutada de símbolo de multiplicação de riqueza imaginado pelo empresário para o de incógnita sobre seus negócios), não o resgate, como se fosse preciso extirpar um tumor para evitar a metástase do mercado.

Com a ação de uma de suas principais empresas, a petroleira OGX, reduzida a menos de 40 centavos e avaliada em 10 centavos, depois de ter sido negociada em seu auge, em outubro de 2010, por R$ 23, Eike ficou sem condições de dirigir os negócios de um grupo que reúne operações que vão de estaleiro a porto, de geradoras de energia a mineradora. Com ele fora, a intenção dos credores (todos os grandes bancos, privados e estatais, além de uma miríade de investidores em ações e debêntures, vários do exterior) é fatiar o grupo e mudar o nome. É possível recuperar os ativos, vitrine fashion dos projetos de infraestrutura do PAC — razão pela qual a ousadia de Eike teve apoio do então presidente Lula e de sua ministra Dilma Rousseff, gerente do sonho de um novo desenvolvimentismo. Mas não há expectativa de recuperar o funding dos investidores. Perderam.

O seu caso deve ser único, embora haja mais uns dois que saíram do zero, como Eike, na esperança de também se alavancarem na onda do PAC e do pré-sal. O modelo é comum nos EUA: monta-se um projeto, contratam-se um time de executivos badalados e boas agências de relações com investidores, e se vai a mercado vender ações e títulos de dívida. A diferença é que lá o ativo exposto ao risco geralmente é a expectativa em torno de inovações tecnológicas. Além disso, só mobiliza capitais de risco e não tem governo no meio. Eike adaptou esse formato para o ramo de infraestrutura, que exige muito mais capital, com retorno no longo prazo, e se pendurou em bancos. O seu código-fonte, numa analogia com o Google, são contratos de concessão para exploração de recursos naturais.

O mercado deu fé a tal modelo, sobretudo, ao seu pastor. Agora, não pode reclamar. Só resta pegar os salvados da crise, tentar tirar valor do que, em boa parte, não passa de obras no papel e deixar o governo fora. Eike fez tudo quase certo. Seu erro foi querer pegar o mundo com as mãos, além de achar que a crise externa só chegasse ao país como marolinha. Já era.

Brasil S/A quase de graça
Grave equívoco, no entanto, será considerar o colapso do grupo X como um fato excepcional. Ele o é quanto ao modelo de negócio alavancado. Mas tem muitos grupos tradicionais também na berlinda, sem terem cometido nenhuma ousadia. O mergulho duplo da bolsa e do câmbio é uma combinação fatal. Mais que recinto virtual de venda e compra de participações acionárias, a bolsa é uma referência, talvez principal, sobre o valor patrimonial das empresas. Como tal, o valor do Brasil S/A se tornou uma pechincha. Desde o fim de 2010, o índice Bovespa acusa retração de 34%. Já caiu 22% no ano e 13% em 12 meses. Essas são medidas sobre o tombo do valor do estoque.

Os avestruzes da economia
Em termos de fluxo, a depreciação do real age como desfalque no caixa ao elevar o custo dos passivos das empresas com dívida externa. São todas as maiores, inclusive a Petrobras, cuja divida de curto prazo passa de US$ 11 bilhões. Conforme um banco estatal, 22% do passivo dos grupos sem receitas de exportação são dolarizados – e chega a 45% no caso dos tradables, ou seja, com receita em dólar. E o dólar só tem subido. O governo tem procurado tirar o foco das causas internas da queda do real, culpando a expectativa de fim do laxismo monetário dos EUA – e, mais à frente, o aumento dos juros. Para o especialista Sidnei Nehme, da corretora NGO, tal reação é “perturbadora e inquietante”. Acentuou-se, segundo ele, o risco de o país perder a nota de grau de investimento, implicando volume menor e mais caro de fundos para investimentos, devido a riscos basicamente nossos e não importados.

O mercado já desafia o BC
O quadro está assim: 1º, o país tem viés estrutural de deficit das contas externas (hoje de 3,2% do PIB em 12 meses); 2º, os deficits são financiados com superávit da balança comercial e investimentos das múltis em suas filiais e o hot money aplicado em papéis; 3º, os capitais de curto prazo se escafederam desde que o governo barrou a entrada para depreciar o câmbio, os investimentos estão em baixa e o superavit comercial encolhe devido à queda das commodities.
As restrições ao hot money caíram todas e as saídas de capital não cessaram, sem novos ingressos. Os fundos mudaram de “vendido” para “comprado” suas posições cambiais, indicando aposta na depreciação, e a banca reduziu a exposição ao câmbio. São sinais de que logo haverá escassez de divisa, forçando o Banco Central a ter de soltar as reservas. E se e quando o fizer, diz Nehme, deixará evidente que o país enfrenta problemas, podendo implicar ataques contra a moeda. A economia real vai melhor do que indicam o dólar e a bolsa. Mas a baixa confiança no governo exacerba os problemas.

É como o ovo da serpente
A Fazenda e o BC já fizeram quase tudo de que dispõem para reverter a trajetória da taxa de câmbio, revogando as medidas acionadas contra a entrada de capitais financeiros, sem nenhum sucesso. Só que moeda pesadamente desvalorizada não machuca apenas os grupos endividados, além dos planos de viagem ao exterior dos brasileiros. Ela é como lenha na fogueira da inflação. E também pode restringir a percepção de bem-estar, já que entre 20% e 25% do consumo interno são abastecidos por importações, segundo estudos da Fiesp e da CNI. A médio prazo, o dólar caro ajuda a indústria, ao barrar importação e vitaminar (via preço) a exportação. Ocorre que o mercado externo é, hoje, mais vendedor do que comprador. Além disso, partes importadas se tornaram insumo permanente das cadeias produtivas, significando que o real depreciado também tira competitividade das empresas. E empobrece o consumidor a poucos meses da eleição. Dá para sacar que não foram bem as ruas que precipitaram a ideia do plebiscito.


Fonte: Jornal do Commércio
Link: http://migre.me/fkeuK
Autor: Antonio Machado
Data de publicação: 05/07/2013

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