Tardia, a percepção de que o câmbio, nesta eleição, não é o sensor dos temores!

Temos enfatizado de que os detentores de posições compradas especulativas em dólar, quaisquer que sejam as modalidades, estão num momento em que os riscos de perda e/ou reversão de lucros se acentuam, visto que não há como impulsionar mais os temores e tensões em torno do pleito sucessório presidencial.

Nem mesmo a provável polarização Bolsonaro versus Haddad tem capacidade de impacto, até porque já era fato provável no radar do mercado, contudo por conveniência silenciada, face à baixa aderência dos eleitores, desde o início, aos candidatos mais próximos dos anseios do mercado financeiro.

O movimento especulatório instalado no mercado de câmbio se fortificou ao resgatar cenários antecedentes e contumazes de tensões pré eleitorais que conduziam o preço da moeda americana a posição de sensor principal dos temores, dúvidas e incertezas.

O fato é que este álibi de oportunidade coincidiu com crises em países emergentes como a Argentina e Turquia, o acirramento da disputa comercial entre Estados Unidos e China e o forte crescimento da economia americana, que “empacotados” como fator de reflexos negativos no Brasil, proporcionaram a propulsão de um cenário absolutamente improvável no contexto cambial do Brasil.

Consideramos que até o preço de R$ 3,80 a correção do preço do dólar no país correspondia a efetiva adequação do preço à realidade brasileira, a partir deste ponto a exacerbação foi nutrida fortemente por factoides e improbabilidades habilmente “plantadas” no mercado, proliferando temores e tensões que são procedentes quando se foca a situação econômica, fiscal, emprego, renda, etc… do país, menos a situação cambial.

Neste intento cometeu-se e ainda comete-se a propagação dos temores e, como habitual mas desta vez sem fundamentos, se desenvolveu forte especulação sobre o preço da moeda americana, buscando fazê-lo sensor de todas tensões, dúvidas e incertezas, valendo-se da memória de momentos passados.

Mas, como temos salientado  na questão cambial o país, desta vez, não tem o mesmo perfil de 2002, quando ocorreu forte pressão sobre o preço da moeda americana.

Em 2002 o preço do dólar, corrigido a preço atual, atingiu R$ 7,40, o Brasil tinha somente US$ 37,0 Bi de reservas insuficientes para responder pelo passivo externo brasileiro, e um déficit em transações correntes de quase 1,70% do PIB. Enquanto, neste momento o país tem US$ 380,0 Bi de reservas que se prestam a lastrear com absoluta credibilidade instrumentos operacionais implementados pelo BC para suprir as demandas por proteção cambial ou no mercado a vista.

Em 2002 o país vendeu, também excessivamente, títulos denominados em reais com correção cambial, mas não havia lastro em reservas para ancorar credibilidade aos mesmos, pois eram insuficientes para o todo do passivo brasileiro,  razão pela qual a vulnerabilidade da situação cambial do país estimulou a especulação sobre o dólar.

O único fato que se correlaciona entre 2002 e 2018 é o fato do BC ter vendido em excesso títulos com correção cambial em 2002 e contratos de swaps cambiais em 2018. Contudo, em 2018 há solidez cambial o que não ocorria em 2002, muito pelo contrário.

Naturalmente, já destacamos que no nosso entendimento o BC errou ao prover o mercado com oferta excessiva de contratos de swaps cambiais, pontualmente no mês de junho, o que permitiu que os “players” estocassem parte dos mesmos sem vínculo com passivos externos e,  portanto, construíssem posições especulativas, com foco a intensificação da especulação, que se deu em meados de agosto, valendo-se de uma falsa sinergia entre 2018 e 2002, absolutamente inexistente.

O país, afora na questão cambial em que detém sólida situação, está em “frangalhos” e as vésperas de uma eleição acirrada, o que também não é novidade, e assim, construindo a miscelânea propagou, valendo-se da memória de eleição antecedente em 202, um cenário de temores e tensões infundado ao usar o preço do dólar como sensor, e o pior conseguiu propagar os medos e receios, numa clara evidência de que o próprio mercado, supostamente, tem grande parte de responsabilidade pela especulação.

Como temos salientado, má perspectiva para a economia e vetores ligados deveriam impactar em setores que dependem diretamente da performance da economia pós eleição e o ponto central seria então a Bovespa e o juro, em parte até como consequência da alta do dólar. Contudo isto não ocorre, pois os investidores estrangeiros estão com seus recursos protegidos por “hedge” e sabem que o país tem como honrá-los sem risco, então estão mantendo suas posições, com realização muito abaixo das expectativas.

Esta alta do dólar tem gerado números relativos decepcionantes quando se observa o comportamento da Bovespa, sem considerar o nível do preço do “hedge” realizado pelos investidores. Em reais a valorização em 2018 foi de 2,5%. Em dólar, no ano menos 18,04% e nos últimos 12 meses menos 22,18%.

O dólar já está em R$ 4,14, fechamento de ontem, e basta ser depreciado em torno de 9% para retornar ao ponto de equilíbrio de R$ 3,80, que é o preço correto, mesmo considerando o ambiente eleitoral e os severos problemas na área econômica que se apresentam como desafio ao novo governante.

Como temos destacado o preço de equilíbrio do dólar é R$ 3,80, seja qual for o Presidente eleito, a situação cambial do país, por mais contraditória que possa parecer, é absolutamente tranquila e imune à crise.

O BC deve manter a SELIC na reunião que se finda hoje e não deverá emitir sinais para a próxima, mas certamente, contrariando expectativa prevalecente no mercado, deve ter a convicção de que até a próxima reunião o preço da moeda deve ter retrocedido potencialmente, o que permitirá que renove a manutenção, não se deixando levar pelos efeitos temporários de impacto inflacionário.


Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO

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