Por que os diálogos com o governo sobre o novo cenário omitem os nossos problemas?

O contexto envolvendo o comportamento dos ativos principais, Bovespa e dólar, no mercado brasileiro vêm se alterando face às novas perspectivas já não tão benignas quanto às construídas até um passado recentíssimo, mas há uma estratégia, notoriamente perceptível, de atribuir-se integralmente o fato as causas externas, principalmente quando justificadas por membros do governo e, estranhamente com o silêncio dos interlocutores midiáticos quando procedem às interpelações em entrevistas.

Por que se tem este cuidado e relutância em se abordar que as questões “intestinas” brasileiras também têm peso na mudança da visão prospectiva, que em conjunto com os eventos externos acabam por promover o novo cenário tendente à reversão da forte onda de otimismo que assolou influenciando a formação de projeções até certo exacerbadas para o Brasil em 2018.

Inegável que o contexto externo, a partir do quadro mutante da economia americana, impacta no mercado global. Todo o mundo esperava mudanças no trato da questão do juro pelo FED americano, mas era bastante improvável que se antevisse que pudessem ser elevados tão bruscamente pelo mercado americano, colocando os T-Bonds de 10 anos em patamar de 3%, o que pressiona o FED a colocar perspectiva de intensificação de elevações do juro básico, além do fato da dinamização do desempenho da sua economia, gerando empregos de forma mais intensa e, naturalmente, promovendo os impactos inflacionários consequentes. Enfim, fatos novos e repercussões novas sugerindo um movimento de valorização da moeda americana no mercado global, como reflexo da postura do “fly to quality” dos investidores no mundo todo.

Afora este fato, há o fato da tendência ao confronto tipificando o governo Trump, numa sequência de questionamentos comerciais e embates geopolíticos, eventos geradores de tensões.

Evidentemente, tudo isto altera o contexto global, muda perspectivas em especial para os países emergentes, beneficiários maiores do cenário benigno do mercado internacional face ao expressivo volume de liquidez que irrigava recursos para estes países em busca de rentabilidade de oportunidade.

Tem o seu peso, sem que a liquidez seja retirada de imediato, mas criando a tendência de refluxo destes capitais para o mercado americano mesmo que de forma gradual, e, deixa evidente de forma mais objetiva as fragilidades pontuais destes países, que assim passam a repercutir os impactos nos preços de suas moedas.

Mas cada país reflete internamente os efeitos deste contexto internacional mutante de forma alinhada com suas fragilidades e seus momentos.

O Brasil tem como instrumento de defesa suas reservas cambiais volumosas da ordem de US$ 380,0 Bi, tendo um passivo em torno de US$ 310,0 Bi, dos quais algo em torno de US$ 330,0 Bi de passivos “intercompany” e uns US$ 70,0 Bi de dívida de governo. Este quadro assegura que não teremos falta de dólares, como ocorre na vizinha Argentina, e o BC poderá irrigar o mercado de câmbio com proteção vendendo “swaps cambiais” ou dando liquidez ofertando linhas de financiamento de moeda estrangeira com recompra para o sistema bancário autorizado a operar em câmbio.

Contudo, o Brasil tem um mercado sofisticado e com a queda da taxa SELIC em concomitância com a elevação do juro americano, o que prejudica muito as operações de “carry trade”, que são forjadas com arbitragem de taxas de juros e se tornam capitais especulativos que migram para mercados, como o brasileiro, que proporcionam margem atraente de rentabilidade, o contexto mutante internacional causa impactos no nosso mercado, e então o mercado de “hedge cambial” passou a ser fortemente demandado para proteção dos capitais aqui presentes e que estavam tranquilos com a inércia, até então, do preço da moeda americana no Brasil. Este fato pela intensidade vem pressionando a taxa de câmbio futura, que acaba por contaminar a taxa de câmbio a vista, e assim levou o preço da moeda americana para um novo patamar, que nos parece irreversível , pelo menos, até que se supere a questão eleitoral deste ano.

Mas seria somente isto?

Evidentemente que não e esta é a parte subtraída nas abordagens que os membros do governo se manifestam, o que ocorre pela ausência de questionamento direto dos interlocutores midiáticos.

Há fatores internos que estão se alterando para pior e isto, afora outras questões pontuais que criam tensões, tem uma parcela contributiva para as prevenções e posturas mais defensivas.

É perceptível que a dinâmica de nossa economia está distante da eloquência com que é destacada pelo governo, “patina” e como consequência cria desapontamentos com a recuperação do emprego, com a superação da crise fiscal, com a recuperação da renda e do consumo, e, por que não afirmar que altera em termos efetivos, fato ainda não sancionado pelas projeções do mercado financeiro, as projeções propagadas para o país no ano de 2018.

O processo revisional está lento, mas já há sinais de que pode se intensificar, havendo impactos que reduzem as perspectivas para um PIB mais robusto, e, mesmo a inflação dá sinais de que pode se descolar das sensatas projeções, por reflexos da alta do dólar e porque é perceptível que evolui com mais intensidade, o que já ficou evidenciado pelo IGP-DI de abril da ordem de 0,93%.

A questão eleitoral bastante indefinida e com perspectivas que fomentam dúvidas e incertezas e sugerem forte acirramento justificam uma mudança de ânimo por parte dos investidores na conta capital, que passam a assumir postura de precaução e, portanto, mais defensiva, e isto reflete diretamente na dinâmica da atividade econômica.

Esta nova perspectiva já não sugere novo corte da taxa SELIC, tudo recomenda que o BC deva ser mais previdente neste momento, até porque não tem logrado com sucesso os objetivos da brusca redução da SELIC, já que o sistema de crédito não tem repercutido na ponta final este fato como seria esperado para contribuir com a dinamização da atividade econômica.

A estratégia de interferir no câmbio com oferta nova de swaps cambiais não parece capaz de reverter a tendência de alta do preço, mas simplesmente poderá suavizar a intensidade da alta. Disputar com o mercado a formação da taxa cambial forjada em tendência não seria inteligente e provocaria intensa volatilidade totalmente prejudicial.

A BOVESPA está sem suporte para readquirir a tendência de alta e tende a queda gradual, visto que, embora não descartável a hipótese, um “sell off” neste momento provocaria perda de parte dos lucros, com desvantagem para os estrangeiros que teriam uma taxa de conversão, na sua grande maioria, uma perda adicional face ao “hedge cambial” tardio.

É imperativo que, embora o governo por seus interlocutores não aborde os problemas internos o que lhe é conveniente, o mercado não deixe de considerar que por aqui há com que se preocupar e que nem tudo de negativo advém do exterior.

Como temos dito a somatória dos problemas externos e internos formam o “conjunto de influência” na formação do preço da moeda americana e no comportamento da BOVESPA.


Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO

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