É inquestionável que o governo está retomando a estratégia de utilização da taxa cambial com o real artificialmente apreciado como elemento de contenção das pressões inflacionárias.
Desta vez, como principal instrumento, diferente da prática antecedente na mesma linha praticada no governo anterior, que a colocava como “coadjuvante” da taxa SELIC, que por si só não era suficiente para cumprir o seu papel na política monetária.
Mas ocorre que o ambiente prevalecente na atualidade difere muito do anterior e, tem fatores adversos muito consistentes que podem conspirar e inviabilizar o intento do governo nesta oportunidade.
Nos idos do governo anterior quando a prática foi adotada e ao qual o Ministro Mantega também integrava, havia um fluxo cambial intenso de recursos para o país, que oferecia uma exuberante taxa de juro aos investidores e tinha um mercado de derivativos com ampla liberdade para especular valorizando o real, intuito também do governo.
Em sua coluna publicada em 14/02/2013 no Cidade Biz, Antonio Machado, sintetiza de forma objetiva o ocorrido no passado sob a titulação “O tsunami foi da SELIC….”:
“A formação de reserva de divisas reduziu a vulnerabilidade externa do país. Só que tal movimento, executado como política de governo jamais explicitada exacerbou o ambiente propício a operações sem risco no mercado futuro, sempre no sentido da valorização do real. O enxugamento da liquidez cambial pelo BC e a taxa básica de juros muito acima da inflação e da média paga em outros países, além da isenção de IR das aplicações do exterior em papéis do TN, criaram o que a Presidente Dilma Rousseff chamou de “tsunami monetário”, transferindo para as emissões de dólares e de euros sob o jargão de “quantitative easing” a responsabilidade, na verdade, dos juros altos, pelo valor anabolizado do real”.
Em tempos de abundância de fluxo de recursos externos em busca da excepcional e diferenciada rentabilidade oferecida pelo Brasil, que o BC absorveu na totalidade e um pouco mais a ponto de promover o posicionamento “vendido” dos bancos no mercado à vista, situação pró-apreciação do real, e com um estimulante movimento especulativo focando o ganho fácil no mercado de derivativos com o alinhamento focando a valorização do real, foi fácil a mutilação do preço da moeda americana depreciando-a com o intuito de conter, em ação compartilhada com a SELIC, as pressões inflacionárias.
O saldo consequente na economia nacional é sobejamente conhecido. A indústria nacional foi desidratada e perdeu competitividade, deixou de investir e assumiu a incorporação dos insumos importados como valor agregado relevante no dito “produto nacional”. Não houve recuperação desta situação, embora a pratica de estimulo ao real apreciado tenha sofrido um hiato de interrupção e tenha havido até a insinuação de alterar a estratégia para o real depreciado, que resistiu por curto espaço de tempo.
Parece que a “memória” daquela situação prejudica que se observe que o cenário atual, em que o governo busca a mesma estratégia, é absolutamente oposta, portanto não há tantas facilidades, o que pode inviabilizar o intento e não permite que se vislumbre sustentabilidade nesta oportunidade.
O Brasil já não é a “estrela” entre os emergentes, há economias emergentes que estão atraindo os recursos de investimentos que outrora procurariam o nosso país. O nosso fluxo cambial tem um viés prospectivo de negativo ou de rigoroso equilíbrio; nossa balança comercial não tem brilho e mostra sinais de fragilização em seu saldo; já não há abundância de ingressos mais, sim, sinais de falta de liquidez no mercado a vista em algumas oportunidades, superada por operações conjugadas com o BC, “swaps efetivos”, que proporcionaram liquidez no curtíssimo prazo e a retomam no curto/médio prazo e pela utilização de linhas externas pelos bancos autorizados a operar em câmbio. E, o nosso mercado de derivativos já não é um centro de apostas livres num resultado certo.
É efetivamente um quadro diferente. O BC deseja a apreciação do real, mas isto não é tarefa fácil num ambiente de fluxo cambial adverso. Então, liberou mais as posições “vendidas” dos bancos, que vendidos tornam-se aliados no foco pela apreciação do real, pois pretendem comprá-los a preços mais baixos e na margem realizam captação de reais a custos atraentes, mas o fluxo cambial ruim coloca em risco esta estratégia, que outrora era realizada com conforto, pois ingressavam muitos recursos no país e para cobrir suas posições bastava a decisão de fazê-lo, coisa que hoje dependerá de ter fluxo suficiente, o que não está ocorrendo.
Em perspectiva poderemos ter entraves pelo desconforto dos bancos em manter posições “vendidas”, que poderão estar com “hedge”, mas ter a efetiva necessidade de dólares a vista no mercado de câmbio para evitar o aumento continuo desta exposição cambial ante um cenário prospectivo que pode sugerir dificuldades de cobertura, salvo se o BC fizer leilões de venda, a que, até o momento, tem se revelado pouco propenso.
Temos, portanto, atualmente um Brasil diferente do Brasil que no governo anterior praticou a estratégia de utilizar o real apreciado para conter a pressão inflacionária.
Temos hoje real apreciado, juros baixo, inflação alta, fluxo cambial negativo, balança comercial negativa, enfim o todo está muito diferente e isto nos leva a considerar temerário acreditar na sustentabilidade da taxa cambial atual e mesmo na manutenção da estratégia de apreciação do real para conter a inflação, que pode causar mais danos a nossa economia do que benefícios, comprometendo inclusive a recuperação de atividade econômica e o crescimento do PIB.
