O mercado de câmbio deixa evidente que seus fundamentos prevalecem no confronto com os esforços da autoridade monetária brasileira, que já não dispõe de instrumentos e nem de ações operacionais que possam mitigar a tendência de alta gradual do preço do dólar, consubstanciada na perspectiva de que os fluxos de recursos externos e a desempenho da balança comercial podem se revelar insuficientes para financiar o déficit em transações correntes do país.
O governo, como vimos ressaltando, foi extremamente retardatário em suas atitudes de desobstrução das barreiras tributárias que dificultavam os ingressos de recursos externos no país, e desta forma, quando o fez, já não havia ambiente favorável para deslocamentos de investimentos em renda fixa e variável para o Brasil, que já era objeto de severas críticas no mercado internacional pela fragilidade de sua política fiscal, inflação crescente e baixo crescimento.
Adicionalmente, e não só por isto como muitos ressaltam, contribui para o quadro adverso o fato de estar presente no mercado internacional a possibilidade de diminuição da liquidez com a redução e posterior encerramento do programa de estímulos monetários por parte do FED americano focado na retomada das atividades da economia americana.
Agora, embora fosse também “pedra cantada” desde o início do ano, o mercado de câmbio começa a rever para pior as perspectivas de saldo da balança comercial, consequente do impacto da demanda menor e preços cadentes das “commodities”, que levaram o BC a rever sua projeção de saldo de US$ 15,0 Bi para US$ 7,0 Bi este ano, após o mercado, como evidenciado pelo Boletim FOCUS, já o ter colocado em US$ 6,5 Bi e na edição deste final de semana ter reduzido para US$ 6,0 Bi, que ainda consideramos bastante otimista, já havendo projeções em torno de US$ 3,0 a 4,0 Bi.
Sabidamente, a China, carro-chefe da demanda mundial de “commodities”, tem característica predominante de processadora de insumos mundiais, que viabiliza o desenvolvimento do seu crescimento ancorado no modelo exportador, sendo natural que tivesse repercussões naturais face à perda de atividade econômica europeia e americana.
O Brasil, que conviveu e se beneficiou com o “boom das commodities” e se tornou grande parceira fornecedora à China, deixando-se levar, em razão disto, ao retorno à condição preponderante de exportador colonial, em detrimento de uma atenção maior ou concomitante à indústria e ao incentivo à produção de produtos exportáveis com maior valor agregado, sofre agora no quadro atual reflexos no desempenho da balança comercial.
À margem deste contexto desfavorável, porém agravando mais o quadro da balança comercial, as importações brasileiras tornaram-se mais relevantes dada à necessidade de complementar a oferta de insumos e produtos acabados para atender a demanda não suprida pela indústria nacional, desmotivada para investir e aumentar produção. Hoje, já ocupam ¼ do mercado brasileiro.
A tendência à deterioração das contas externas é um indutor de grande influência na tendência de alta do preço da moeda estrangeira no nosso mercado.
O Boletim Focus desta semana, mais uma vez, revê a projeção para mais do déficit em transações correntes, passando-a a US$ 74,50 Bi, mas o próprio BC já a colocou em US$ 75,0 Bi em revisão recente.
Os instrumentos financeiros “swaps cambiais”, que não são dólares efetivos como inúmeras vezes inadvertidamente entendido, se prestam à proteção das empresas à variação cambial, e, atenuam as pressões altistas quando advêm de demanda de “hedge” (proteção) no mercado futuro de dólar, quando ofertados pelo BC, dada a ausência de liquidez natural no mercado.
Portanto, protegem os passivos expostos em moeda estrangeira das empresas e demais investidores no país, mas não tem o poder liberatório para pagamentos, isto só ocorre com a moeda estrangeira efetiva.
Como a perspectiva é de que haja insuficiência, o dólar sustenta viés de alta, embora o país detenha reservas cambiais no entorno de US$ 380,0 Bi, que poderá utilizar para fazer a complementariedade da necessidade de financiamento do déficit em transações correntes, mas que, se o fizer, será mais um elemento fomentador da alta do preço, pela evidência explícita da fragilização dos fluxos para o país.
O grande problema será se o mercado antecipar para agora a alta que era prevista e bem fundamentada para ocorrer gradualmente ao longo do ano, precipitando a apreciação do dólar, que desta forma impactará nas pressões inflacionárias, impondo ao Copom maior elevação na taxa Selic.
Além deste cenário desfavorável e inquietante para o mercado de câmbio, há uma preocupação adicional e absolutamente relevante em relação à política fiscal do país, muito observada pelas agências de rating, que já têm sinalizado preocupações com a situação do Brasil, e, eventual rebaixamento de nota conceitual que nos retire o grau de investimento poderá ter repercussões amplamente negativas, pois provocará expressiva saída de capitais estrangeiros do país.
É muito importante que o governo não demonstre insensibilidade em relação aos sinais que vêm sendo emitidos pelas agências de rating, pois as consequências poderão ser bastante perturbadoras.
Adicionalmente aos dados do Boletim Focus já pontuados, houve também revisão para o preço do dólar no final do ano para R$ 2,15, que consideramos baixa, já havendo elementos para projeção acima de R$ 2,20 até R$ 2,30. No quesito crescimento do PIB ocorreu revisão de 2,46% para 2,40%, mais realista do que os 2,70% prognosticados pelo BC, mas no nosso entendimento ainda otimista. Houve revisão, também, na Selic de 9,0% para 9,25%, porém, poderá haver necessidade de elevação maior caso a taxa cambial consolide antecipação de preço de forma sustentável.
No nosso entendimento, a tendência que emana do próprio mercado de câmbio ancorada na sua realidade é mais forte do que a possibilidade do governo mitigá-la, até porque não imaginamos o BC realizando leilões de venda de moeda à larga quando o mercado indicar que esta é a necessidade, e, muito menos alterar o regime flutuante no modelo prevalecente.