O desafio para nossa economia, após exaurida a capacidade de crescimento pelo consumo do mercado interno alavancado por crédito farto, era estimular o investimento, saída imperativa para a retomada sustentável da atividade econômica, mas a abrupta queda da confiança dos empresários e consumidores inviabiliza este objetivo, que assim fica comprometido.
O BC demonstrou sensibilidade em reconhecer esta realidade, mas há setores do governo que ainda demonstram ignorar este problema já consistentemente instalado. Por isso, o BC é mais impetuoso no foco de conter a inflação e criticar discretamente os gastos do governo, enquanto outros setores ainda vislumbram o crescimento do PIB muito distante da realidade.
A sociedade brasileira está “perdendo o embalo” na medida em que percebeu o país sem tração para crescer e com a inflação corroendo margens e renda, o que deteriora o ímpeto para o investimento, produção e consumo.
O corte de gastos das despesas do governo federal da ordem de R$ 10,0 Bi é modesto para a necessidade, que tem para cumprir seu objetivo de entregar um superávit primário de 2,3%. Sem mágicas é possível que consiga 2,0%, pois a arrecadação embora com recorde no 1º semestre, em junho, já evidenciou queda e assim deve seguir a tendência, pois não se vislumbra recuperação da atividade econômica que possa reverter este viés cadente. Por outro lado, não se deve esperar uma contribuição maiúscula por parte de estados, municípios e suas estatais.
Importante lembrar que a sugestão inicial era de um corte de R$ 25,0 Bi e que acabou reduzido para R$ 10,0 Bi, o que é mais um fator pró-perda de confiança na gestão, que pode sugerir que até estes R$ 10,0 Bi “está mais para dieta de quem come escondido: pode até engordar”, como mencionou um analista, dias atrás.
Na realidade, estes ajustes decorrem do irrealismo de projeções de crescimento do PIB na elaboração orçamentária e que depois passam a serem revistos, ainda assim, acima da realidade.
As decantadas desonerações tributárias concedidas precisam de uma melhor quantificação e qualificação, visto que a grande maioria resultou na concessão a setores privilegiados e que se prestaram tão somente a antecipar vendas e não efetivamente aumentá-las, gerando baixa ou nenhuma contribuição do crescimento econômico. E as concedidas sobre folhas de pagamentos tiveram alteradas para incidência sobre o faturamento, o que vem sendo gradualmente percebido por grande parte das empresas, que foi um mau negócio.
Entre a desoneração teórica anunciada previamente e a efetiva, por vezes, não ocorre a renúncia fiscal na proporção anunciada.
Enfim, o governo perdeu um ótimo momento para dar um choque na crise de confiança presente, pois uma atitude mais severa em relação ao corte de gastos estaria mais alinhada com a pretensão do governo de fazer leilões de concessões.
E o que isto tem a ver com o câmbio?
Sabidamente o país atravessa uma fase de “ressaca” de fluxos de recursos externos, mesmo com a liquidez internacional tendo novas perspectivas de ser mais duradoura, em razão da postergação da redução do programa de incentivo monetário americano.
Há na atualidade muita observação e muita crítica externa e interna sobre a política econômica do governo, considerada errática, por isso, toda atitude ou decisão que envolva gastos governamentais, tidos como excessivos e contributivos para as pressões inflacionárias, pesam na decisão de investidores estrangeiros.
Um corte discreto, que tem grande probabilidade de não colocar factibilidade no alcance do superávit primário, não contribui para a recuperação da credibilidade na gestão deste governo, fator fundamental para recompor a atratividade de investidores estrangeiros pelo país e impactar firmemente nas pressões inflacionárias.
O “boom” das commodities já faz parte do passado, quando os preços foram triplicados alavancados por um soberbo crescimento chinês, que hoje se adequa a nova realidade global, e o país volta a ser dependente do incremento das exportações de manufaturados, que, contudo, precisam de investimentos estruturais para aumentar a produtividade e, também, de investimentos governamentais para recuperação das enormes deficiências de infraestrutura que oneram os produtos brasileiros e comprometem suas competitividades.
O câmbio por sua taxa é só o reflexo direto deste quadro e quanto mais fragilizado mais pressão ocorre de depreciação da moeda nacional.
Na ponta mais visível desponta o déficit em transações correntes, que no contexto atual alcança números bastante elevados em relação ao PIB, sem ter a expectativa efetiva de que o país captará recursos suficientes para o seu financiamento.
Este cenário sugere prospectivamente que haverá a necessidade do governo de vir a utilizar parte de suas reservas cambiais para fazer face à defasagem entre o déficit e a captação de recursos externos líquidos pelo país.
Esta perspectiva fomenta a perspectiva de alta do preço da moeda americana no nosso mercado.
O BC pode utilizar os instrumentos financeiros “swaps cambiais” para fornecer proteção (hedge) às empresas que têm passivos expostos em moedas estrangeiras e pode até contar com a ajuda dos bancos, que na carência de fluxo cambial suficiente, utilizariam linhas externas e assumiriam posições vendidas no mercado à vista para gerar liquidez, mas em algum momento, apesar de tudo, pontificará a falta de dólares efetivos no mercado à vista e ocorrerá a necessidade do BC fazer a oferta.
A única possibilidade deste cenário não se consolidar é a do país recuperar fluxos intensos, o que não parece ser provável no curto/médio prazo.
Em razão disto é que consideramos relevante o aumento consistente de “posições compradas” por grandes “players” no mercado futuro de dólar, em especial pelos fundos estrangeiros, visto que ocorrendo a necessidade do BC realizar leilão de venda de dólares efetivos, isto pode ser uma sinalização de fragilidade indutora a um movimento especulativo sobre o real.
Mas independente deste “sinal vermelho” presente, é inquestionável que a tendência do preço da moeda americana é de alta fundamentada e sustentável até o final do ano.
A aparente tranquilidade atual em torno de R$ 2,22 a R$ 2,23 é momentânea e o BC consegue mitigar ainda com alguns discretos leilões de “swaps cambiais” em rolagem antecipada de posições vincendas, mas na medida em que a liquidez fique escassa no mercado à vista, onde os bancos estão ainda com posições compradas em torno de US$ 2,0 Bi, ocorrerá dupla pressão de apreciação da moeda americana, que se tornará mais consistente.