No mercado de câmbio brasileiro a característica marcante é a formação do preço do dólar a partir do mercado futuro, assim o mercado à vista acaba por refletir aquele preço mesmo quando não se verifica demanda efetiva no segmento à vista.
No cenário recente no mercado futuro de dólar ocorria movimento tipicamente especulativo orquestrado por investidores estrangeiros, que apostavam no caos, se bem que desprovido de fundamentos tendo em vista que o ambiente cambial brasileiro está bem defendido e sem riscos de quaisquer crises, e com isto fomentado por substantivas posições “compradas” havia o aviltamento do preço do dólar.
Na esteira deste movimento, o mercado à vista simplesmente alinhava-se ao contexto prevalecente e repercutia a taxa do futuro, embora sem demanda efetiva.
Estas realidades de efetiva percepção por parte do BC o colocou numa posição de “observação” sem suscitar qualquer tipo de “ação” visto que não havia nem demanda de “hedge” efetiva no mercado futuro, e, nem demanda de dólares no mercado à vista.
Havia clareza absoluta do movimento especulativo orquestrado.
Ao mesmo tempo, as instituições financeiras, conscientes do que estava acontecendo, reproduziam no Boletim FOCUS a mediana de R$ 3,80 como projeção do preço da moeda americana ao final do ano, ainda que o preço rondasse a proximidade até de R$ 4,20.
Com a alteração das perspectivas para o país com possível retomada da atividade econômica, ainda que lenta, mas capaz de neutralizar o viés de piora, face o equacionamento da crise fiscal a partir da aprovação factível da Reforma da Previdência, a especulação com fundamento empírico do caos fragilizou-se e o preço da moeda americana retrocedeu de forma abrupta aproximando-se ao preço de R$ 3,80.
Então, com o preço do dólar ajustado à realidade presente do país e havendo demanda reprimida em virtude do preço aviltado da moeda americana, até recentemente, foram “retiradas das gavetas” as operações que estavam contingenciadas pelas circunstância e passaram a ser operacionalizadas no mercado à vista exercendo demanda forte e efetiva, e isto, contrariando a tradição provocou até que a taxa de câmbio do mercado à vista passasse a superar a taxa de câmbio do mercado futuro, sinalizando a escassez de liquidez no segmento à vista.
O BC, atento e com base na evidência efetiva de demanda, anunciou dois leilões de US$ 1,0 Bi de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, efetivadas na 3ª e 4ª feiras, transações típicas para irrigar a liquidez no mercado à vista, e não renovou oferta com anúncio prévio de novos leilões de linhas para ontem, mas acabou por realizar leilão pontual de US$ 1,0 Bi de linhas ao perceber que ainda havia demanda pressionando o mercado à vista na abertura da 5ª feira, e aparentemente isto foi suficiente para eliminar a disfuncionalidade que ainda se verificava no mercado.
Os bancos desde muito vem operando com posições “vendidas” (a descoberto) em torno de US$ 20,0 Bi, parcialmente lastreadas por linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, havendo, portanto, um montante bastante relevante para que o BC possa complementar a irrigação de liquidez no mercado à vista, se for necessário neste momento em que há carência de fluxo cambial positivo suficiente para o país.
A oferta de leilão de linhas de US$ 1,0 Bi ontem, sem prévio aviso, segundo bancos ouvidos, e mais a manifestação do Diretor do BC, também na manhã de ontem, de que nada mudou na forma de atuação do BC e se necessário o BC atuará ofertando liquidez ao mercado, naturalmente com oferta de linhas e não com oferta física, impactou no viés de alta que se insinuava sustentável a partir do mercado à vista no dia anterior (4ª) e habilmente impulsionada pelos “comprados” no mercado futuro na abertura do mercado ontem, com o intuito de especulativamente construírem uma Ptax mais favorável, e, como consequência redirecionou o viés do mercado para a normalidade e tendência prevalecente de depreciação do dólar frente ao real.
A reversão do viés de alta para baixa, no nosso entendimento, sinalizou que a pressão atípica de demanda no mercado à vista foi mitigada.
Chegado o dia da Ptax, hoje 28, não é de todo recomendável que nesta data o BC realize oferta de leilões de moeda estrangeira porque afetaria a formação do preço no dia em que “comprados” e “vendidos” se confrontam em torno da formação desta taxa referencial no mercado futuro para ajustes de suas posições.
Hoje poderá ocorrer volatilidade, típica devido a disputa entre os opostos no mercado futuro, mas acreditamos que, após este fato pontual, o preço do dólar retomará o viés de depreciação frente ao real.
Contudo, como não se espera aumento imediato do fluxo cambial positivo para o Brasil, não é difícil imaginar que o BC estará atento para realizar ofertas adicionais de linhas de financiamento de moeda estrangeira com recompra, logo ao início do mês de julho, não com a conotação de interferência na formação do preço do dólar, mas cumprindo sua atribuição de prover o mercado de câmbio à vista, sempre que necessário, com liquidez compatível.
Este contexto pontual e passível de ajuste por parte do BC sobre a liquidez do mercado à vista contendo a disfuncionalidade, em perspectiva não desfaz o consistente viés de depreciação do dólar frente ao real, sendo que o interregno tem causas e soluções conhecidas, o que determina somente eventuais hiatos no ímpeto.
Com o mercado de câmbio retomando o equilíbrio, o preço do dólar deve retomar o preço de R$ 3,80 com viés de baixa na medida em que se consolide a tendência de aprovação da Reforma da Previdência e mais ainda se houver sinalização contundente do FED sobre eventual redução da taxa de juro americana.
Por outro lado, saindo do foco objetivo do mercado de câmbio, nos pareceu severa em demasia a redução da projeção pelo BC do crescimento do PIB de 2,0% para 0,8%, principalmente partindo da autoridade monetária, pois, como costumamos afirmar, quando se admite a piora ocorre o incremento à consolidação da Lei de Murphy, conhecidíssima de todos.
Ao governo cabe o papel de manter o “astral” um pouco acima do que as projeções negativas sugere, caso contrário, como neste evento, acaba fomentando o desalento, complementando a visão negativa já expressada pelo COPOM de atividade econômica estagnada no 2º semestre.
Projeções como estas impactam negativamente nas expectativas no entorno da Bovespa, cuja dinâmica é diretamente dependente da retomada da atividade econômica.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO