O economista do IBRE/FGV, José Roberto Afonso, sintetizou muito bem ao afirmar que a reação do governo federal ao rebaixamento da nota soberana do Brasil pela agência de rating Standard & Poors, formalizada em nota do Ministério da Fazenda, mostra que o recado dado não foi compreendido.
E mais, que ao classificar a decisão da agência como “inconsistente” e reiterar o cumprimento da meta de superávit primário de 1,9% do PIB, o governo “confirma que não entendeu o recado” da S&P. Salientou, “a agência não quer apenas o resultado primário, mas quer verificar se houve ou não condições de gerar o resultado. A preocupação é com a transparência, nível de investimento público, crescimento. É o conjunto da obra”.
Este é um dos pontos centrais da questão e o governo parece que não entendeu o recado.
Outro ponto que consideramos extremamente relevante e meritório da medida adotada é que a S&P teve o zelo de ouvir os economistas das mais diversas áreas e membros do próprio governo ligados ao Ministério da Fazenda, para embasamento da sua conclusão e adoção da medida do rebaixamento.
A agência foi comedida e tolerante, pois teve o cuidado de manter o grau de investimento para o Brasil, retirando somente um degrau da nota de crédito, mas deixou praticamente aos governantes brasileiros a definição do próximo passo em relação a sua nota de crédito. Se cumprir tudo a que se comprometeu em seu plano de ajuste e melhorar a gestão do país com resultados recuperatórios, certamente poderá ser reconduzido ao conceito BBB+, porém, se não houver evolução positiva do quadro deteriorado atual, muito provavelmente perderá o grau de investimento.
“Deixou o país na beira do barranco” e cair ou subir dependerá do mesmo, a agência somente referendará o “status quo” à época, provavelmente o próximo ano, elevando ou rebaixando a nota.
Na realidade, estrategicamente a S&P colocou o governo numa “camisa de força” numa demonstração clara de que o país, na realidade, é que definirá a sua próxima nota.
Os mercados já haviam num dado momento precificado está possibilidade de rebaixamento, mas inegavelmente já haviam relaxado em relação a esta preocupação, por isto já havia certa descontração a respeito, e, é inquestionável que foram surpreendidos pela medida, inclusive o governo.
Como temos argumentado, entre o “possivelmente poderá ocorrer” e o “efetivamente ocorrido” há uma diferença na formação dos preços, e mesmo considerando a hipótese pouco crível da precificação substantiva antecedente, deveria ocorrer um ajuste dos preços e indicativos dos ativos para pior, por isso repercutiu muito estranho e suscitando dúvidas a variação para melhor, como se o país houvesse sido promovido.
Evidentemente, não foi um movimento natural e por ter sido absolutamente incoerente será insustentável.
O fluxo cambial melhorou neste mês de março apontando até o dia 21 saldo positivo liquido de US$ 5,469 Bi, composto de financeiro positivo em US$ 5,664 Bi e comercial negativo em US$ 195,0 M.
Muito provavelmente parte deste saldo positivo financeiro envolve ingressos da Petrobrás que captou recentemente US$ 8,5 Bi e de outras empresas, e parcela de recursos, provavelmente especulativos, direcionados para renda fixa.
Enfim, tem muito de pontual, por isso é preciso ver este saldo com reservas, de vez que até o dia 14 último o saldo líquido financeiro ingressado era inferior em 2014 (US$ 2,717 Bi) ao saldo de 2013 (2,790 Bi), embora em 2014 tenhamos uma taxa de juro 350 pontos superior a ofertada em 2013.
Os ruídos em torno de ingressos direcionados para renda fixa atraídos pela exuberante taxa de 10,75% proporcionada pelo país parecem ser maiores do que se propagam e podem vir a recrudescer não só pelo rebaixamento do rating do Brasil, mesmo considerando que os investidores especulativos são agressivos, mas em decorrência da apreciação exacerbada do real frente ao dólar que ocorre no momento, num contexto que em perspectiva indica forte apreciação do dólar ante o real, que determina uma baixa taxa de conversão e um custo de “hedge” que pode neutralizar o atrativo da rentabilidade das aplicações.
O fluxo cambial precisará ser acompanhado nas próximas semanas, quando esperamos ocorram sinais relacionados ao rebaixamento da nota de crédito pela agência S&P.
O risco que entendemos existir neste momento é a de ocorrer a troca de recursos de melhor qualidade e longevidade de permanência no país, envolvendo o montante de dividas vincenda a saldar este ano pelo setor privado da ordem de US$ 84,0 Bi que poderá ter parte não rolada, por capitais voláteis especulativos que nada produzem e são “ariscos” permanecendo pouco no país.
As posições “vendidas” dos bancos devem estar em torno de US$ 13,128 Bi, ancoradas em linhas de financiamentos em moeda estrangeira concedidas pelo BC no total de US$ 13,276 Bi.
O montante de posições vendidas dos bancos, da qual já foi descontado o saldo positivo atual do fluxo cambial, é o quanto precisa ingressar no país liquidamente para evitar que o BC tenha que utilizar as reservas cambiais.
Embora haja relutância por parte de agentes do mercado em admitir que haja piora nas perspectivas que já não eram boas para as contas externas este ano, é inegável que ocorrerão mudanças nos fluxos e isto repercutirá nos preços dos ativos brasileiros.
Poderá ser lento o ajuste à nova realidade brasileira, como ressaltamos ontem, pois as alterações no comportamento dos fluxos assim o serão também, mas é inegável que ocorrerá como consequência natural. O viés de alta do preço da moeda americana será retomado e sustentado pela queda de fluxo de recursos líquidos para o país, que deve se acentuar mais em perspectiva, havendo grande probabilidade de vir a se tornar negativos.