O mercado de câmbio é complexo sofrendo influência de inúmeros vetores da economia nacional e global, por isso não é fácil identificar com clareza até que ponto este ou aquele fato causa impactos na formação das relações paritárias entre as moedas, que, em tese, após o final do Acordo de Bretton Woods deveriam repercutir diretamente as condições econômicas de cada país, mas vai longe o tempo em que este princípio também ficou no passado.
A relação paritária desde muito passou a ser um instrumento forte na concorrência comercial entre os países, sendo o maior exemplo a China que ainda mantém sua moeda refém da administração governamental e que tem sido utilizada como fator relevante na competitividade de seus produtos.
No Brasil o Real tem o seu preço elevado neste momento, fora das projeções do início do ano e agora até com um viés de mais elevação em relação ao preço atual.
O país convive com um contexto nunca antes ocorrido, juro baixo que faz com que perca atratividade ao capital especulativo que sempre foi a âncora de fluxos cambiais positivos, e que agora promove a retração quase total de ingressos dado o estreitamento com o juro americano, inviabilizando assim as operações de “carry trade”, ao mesmo tempo que ocasiona o refluxo de capitais estrangeiros remanescentes no nosso mercado financeiro.
Por outro lado, a economia desenvolve ritmo bastante fragilizado não atraindo investidores tradicionais para o mercado acionário, que vive da expectativa do “agora vai”, mas sem capital estrangeiro tem pouca sustentabilidade em suas altas, mesmo que haja oportunidades de preços convenientes em determinados papéis.
O juro baixo interno impulsionou de parte das empresas nacionais a troca de seus passivos externos, em especial empréstimos, pela opção por passivos internos, e isto provoca também impactos adversos diretos no fluxo cambial para o país.
Há ainda outros fatores impactantes no contexto global como o embate comercial entre China e Estados Unidos, que cria insegurança e prejudica as moedas emergentes, problemas em torno da União Europeia, Brexit, etc…. O mundo vive com um momento conflituoso em que todos os países perdem um pouco e, certamente, na resultante final não deverão ter vencedores, mas o retrocesso na globalização com a retomada parcial do protecionismo.
Então, deste contexto todo resulta no Brasil a carência de fluxo cambial positivo que ainda deve perdurar por um bom período e com a perspectiva de novos cortes no juro acentua-se o viés de alta do preço da moeda americana frente ao Real, o que faz ressurgir a demanda por “hedge cambial”.
O país detém reservas cambiais consistentes e estas se prestam para dar suporte à liquidez cambial quando necessário, que é o caso presente, então o BC realiza ofertas diárias de moeda americana à vista no mercado mantendo a liquidez, então poderíamos afirmar que o problema do fluxo cambial negativo está contornado, pois “esta se dando água a quem tem sede” e ponto, o que em tese deveria neutralizar os efeitos da pressão de demanda no mercado à vista.
Ao mesmo tempo, o BC mantém sua rotina de rolagem dos estoques de contratos de swaps tradicionais e linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, procedimento correto e que pode até ser alterado com oferta de novos contratos de swaps cambiais tradicionais se houver sinalização de demanda.
O que não “fecha” é o fato do BC persistir na oferta de contratos de swaps cambiais reversos que promove um contra efeito no preço da moeda americana a partir do mercado futuro, que no Brasil é o formador do preço e contamina o preço do mercado à vista, e com isto promove a sustentação do viés de alta da moeda neutralizando os efeitos da sua oferta no mercado à vista, que entendemos como parte da estratégia posta em prática pelo governo via BC.
“Lactu sensu” é possível concluir que o dólar com preço elevado é de interesse do governo, até porque com a atividade econômica inerte há reduzidíssima possibilidade de repasse deste impacto para os preços, e com isto visa incentivar o nosso mercado exportador dando-lhe competitivade, onde as commodities tiveram preços cadentes no mercado externo, e neutralizar pelo encarecimento o mercado importador, visando priorizar o interesse das empresas e produtos nacionais.
Seria esta estratégia focada em redinamizar a atividade da economia nacional? Efetivamente não se pode descartar esta hipótese e isto explicaria o que sugere a ideia de que o preço da moeda americana seja mantido elevado.
Por outro lado, o Presidente do BC destacou na semana passada na reunião do FMI que espera grandes fluxos de capitais externos para o país oriundos das ações que o governo vem adotando, entre as quais recursos do pré sal e privatizações motivadoras de investimentos externos na infraestrutura, que levariam o BC “até a comprar dólares do mercado”.
Este também seria um fato novo para o país que, deixando de ser o “oásis” para o capital especulativo, passaria a ter atratividade ao capital estrangeiro não especulativo, mais saudável e efetivamente contributivo para o crescimento do país.
Ilação decorrente, o BC estaria fornecendo cobertura ao mercado à vista no momento suprindo a carência de fluxo cambial positivo numa espécie de “sacar sobre o futuro fluxo positivo aguardado” que reporá o desembolso atual das reservas cambiais?
Se observarmos com maior rigor o que ocorre internamente nas ações do BC no câmbio, provavelmente poderá haver melhor compreensão do que ocorre no mercado de câmbio brasileiro e suas perspectivas e objetivos vinculantes com a retomada da atividade econômica por indução via taxa cambial.
No nosso entender há uma estratégia silenciosa impetrada via Banco Central no câmbio de interesse maior do governo.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO