Muito se tem alardeado, até com certo espanto, o recorde de preço da moeda americana no mercado de câmbio brasileiro, e ao fato se dado inúmeras justificativas, algumas pertinentes e outras nem tanto, mas no nosso entender não há razões para espantos e nem críticas assertivas a esta ou aquela eventual fragilidade do país.
Como “vício de análise”, no nosso entender, costumeiramente se atribui o fato ao embate comercial entre China e Estados Unidos, transitando pela inconstância de comportamento de algumas economias potenciais, a este ou aquele embate geopolítico, e, infalivelmente, pela aversão ao risco.
Temos posto que os malefícios do embate China-Estados Unidos mais relevantes já estão precificados enquanto se restringem a tarifas, e que, o que pode ocorrer doravante são sinais favoráveis com avanços já que ambas as potências já tem transparência que este confronto é ruim para os dois e esta será uma disputa longa pela hegemonia maior no cenário mundial.
O risco subjacente que deve estar no “radar”, e que será relevante para o mercado global é a eventualidade de uma guerra cambial ancorada na manipulação do juro nos Estados Unidos ou na paridade administrada do yuan na China. O Presidente Trump tem se insinuado nesta direção ao propagar a necessidade do FED cortar a taxa de juro americana, mas o FED tem se mostrado firme em não precipitar esta possibilidade confrontando as provocações presidenciais.
Tudo isto é uma realidade no mundo globalizado atual, mas nem tudo pode estar nos afetando com a intensidade que é posta, e estamos deixando de lado considerações mais rigorosas aos contraditórios e circunstâncias que envolvem o Brasil neste momento, ou neste período mais recente.
O Brasil convive com um ambiente diferente de tudo com o que conviveu e este fato novo que tem recebido considerações elogiosas provoca, imperceptivelmente, contraditórios, visto que o país convive com circunstâncias que provocam as deformidades que se verificam na atualidade na formação da taxa cambial no mercado de câmbio.
O país ao longo de décadas foi o “oásis da rentabilidade financeira” para os capitais estrangeiros especulativos, de vez que havia um clima propício para arbitrar juros externos com juros internos, o denominado “carry trade”, e com isto dar origens a grandes volumes de recursos que incrementavam nosso fluxo cambial de forma intensa, e o BC a tudo assistia sem intervir a não ser atuando no mercado de câmbio futuro ofertando contratos de swaps cambiais, com a finalidade de “hedge”, que por vezes, também, se prestava a incitar movimentos especulativos, pois no Brasil, onde popularmente de diz que “o rabo abana o cachorro”, a taxa cambial é formada no mercado futuro e que contamina a taxa do mercado à vista.
Então, o juro SELIC que circundava os 14% em 2014 cedeu a 5% em 2019, com perspectivas de 4,5%, e a inflação “derreteu” para o em torno de 3,5% fruto da inércia da atividade econômica ao longo de igual período, que conduziu o país a crise fiscal severa, e provocou o decrépito cenário cadente do desemprego, queda de renda e consumo.
Há a “torcida” por maior queda do juro, mas isto não tem motivado o investimento privado devido este setor conviver com capacidade ociosa expressiva e o governo estar incapacitado para tanto pela ausência de capacidade face à crise fiscal, e então, o país se deparou com juro baixo, inflação baixa, atividade econômica baixa e isto provocou a absoluta inviabilidade da continuidade do fluxo cambial de recursos especulativos pela proximidade do juro interno com o externo, promovendo relevante movimento de saída de recursos financeiros que atingem quase US$ 40,0 Bi na comparação 2019/2018, para o que contribuiu também a troca de dívida externa por dívida interna por parte das empresas brasileiras que provocou contenção também dos fluxos externos normais e de manutenção com rolagens, face à atratividade do juro interno.
Por outro lado, a inércia da atividade econômica perdurou e deixou o país sem atratividade para que ocorresse a transição de recursos estrangeiros de melhor qualidade, não especulativos, porque a Reforma da Previdência demorou mais do que se esperava e o programa de privatizações que seria o ponto de recomposição da atratividade se faz lento e criou uma defasagem entre a mudança de ambientes do país.
Criou-se então um “hiato” que interrompeu a inflexão do fluxo cambial que nesta fase deveria estar recomposto positivo, mas a recomposição da atratividade com fatores concretos para o aporte de recursos estrangeiros não se consolidou, a despeito do juro baixo, inflação baixa, crise fiscal melhor equacionada, porque faltam as razões concretas para o capital estrangeiro retornar com forma qualitativa (onde investir) ao país.
A Bolsa tem se colocado com expectativa de ser o canal de atratividade de recursos estrangeiros, face aos sinais de recuperação da atividade econômica e, naturalmente, seria juntamente com os investimentos direcionados às privatizações, se estas tivessem sido mais céleres nos seus programas.
Aversão ao risco? Evidentemente que não, o CDS do Brasil flutua entre 114 e 121 pontos, excelente conceitualmente, a despeito do contexto América Latina estar sobre desgaste. O país tende a crescer em torno de 1%, projetado neste momento em 0,92%, mas com o BC entendendo que poderia ter sido 1,59% não fosse o choque da Argentina (-0,18%), o choque Global (-0,29% e o choque de Brumadinho (-0,20%), o que atualmente não poderia ser considerado tão negativo quando se observa o comportamento global.
O IBC-Br tem confirmado a percepção de que a recuperação da atividade econômica ocorre, embora lenta, mas é positiva.
O fluxo cambial deste ano está negativo em mais de US$ 20,0 Bi, mas isto não é fator impactante na formação do preço da moeda por eventual escassez de liquidez, tendo em vista que o BC já reduziu as reservas cambiais fornecendo moeda à vista para o mercado em volume superior, o que neutraliza esta hipótese do ponto de vista operacional, se bem que há o aspecto psicológico.
Contudo, a inflexão do fluxo cambial não ocorre e os investidores estrangeiros continuam reticentes, e há razões para tanto, pois o país neste momento que preconizamos com pontual para o retorno dos investidores, inicialmente via Bovespa como resposta aos bons sinais da retomada da atividade econômica, e, mais intenso posteriormente direcionados à infraestrutura no programa de privatizações, constrói incertezas que geram insegurança.
Há uma inegável percepção por parte dos investidores estrangeiros e até de organizações importantes do agravamento de insegurança jurídica e retrocessos preocupantes e isto é um fator que provoca forte retração de investimentos externos, quando não até de internos, e há muitas incertezas no campo político com retardamento da implementação das novas reformas imprescindíveis por razões não muito claras e um imbróglio também político e relevante com o movimento mutante partidário do Presidente Bolsonaro às vésperas de um ano eleitoral.
Então, a nossa inflação baixa, juro baixo, perspectivas de retomada da atividade econômica, melhora da questão fiscal e CDS excelente “naufragam” ante a insegurança jurídica e incertezas políticas e os investidores estrangeiros “repensam” o Brasil e retém seus investimentos e a consequência é a formação de um ambiente que constrói um ambiente ambíguo um tanto quanto indefinido.
Há fundamentos para o dólar no Brasil estar sendo precificado a R$ 4,20 ou mais?
Certamente não! Não há sustentabilidade técnica “vis-à-vis” os indicadores atuais da economia brasileira, ao fato do país deter reservas cambiais muito acima de suas necessidades e o BC se mostrar atuante e pontual, mas há a novidade retomada da insegurança jurídica e intranquilidade política e isto faz o tudo o mais ser de menor relevância e, bem explorado o psicológico, colocar o preço do dólar onde está!!!
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO