O Brasil atravessa uma expressiva crise econômica e não menor política e de insegurança jurídica, mas, por mais contraditório que possa parecer, está fora deste radar sua situação cambial que tem uma tranquilidade por não correr nenhum risco de crise cambial.
No cenário câmbio o país tem reservas cambiais robustas da ordem de US$ 380,0 Bi, e a autoridade monetária, o BC, tem instrumentos operacionais que se ancoram nestas reservas e que lhe permitem irrigar o mercado futuro com proteção cambial e o à vista com liquidez imediata, e o mais importante, sem dispor efetivamente das reservas cambiais que se prestam a dar garantia como lastro aos instrumentos operacionais.
Nas operações de swaps cambiais que é o instrumento pelo qual troca risco de variação cambial por juros, a liquidação se dá por diferença em moeda nacional, enquanto no suprimento de liquidez no mercado à vista, o faz com a concessão de linhas de financiamento em moeda estrangeira “com recompra”, o que não as reduz em estoque, sendo que no conceito de liquidez internacional permanece idêntica pois é uma operação de venda à vista conjugada com uma compra a prazo, que contabilizada mantém o saldo incólume, enquanto no conceito de liquidez de caixa sofre a redução mas fica com o crédito a receber do sistema bancário.
Simples assim, a situação cambial do país permite que assim seja e, portanto, não gera fundamentos para que haja pânico ou algo assemelhado.
Ocorre que a tensão em torno de perspectivas não acreditadas pelo mercado financeiro ou mesmo consideradas improváveis até a bem pouco tempo, que podem ter sido erroneamente menosprezadas, e que dizem respeito diretamente à sucessão presidencial fazem com que a emoção se sobreponha à razão e assim enseje movimento de apreciação da moeda americana, até mesmo sem que tenha havido alteração nos volumes de demanda no mercado futuro ou no à vista de câmbio, razão pela qual o BC não promove intervenção, pois seria inócua.
Quando o BC salienta que não intervém para dar parâmetro à taxa cambial, mas para conter volatilidade deixa evidente que tem perfeita noção das limitações efetivas de suas intervenções, quando os fundamentos não são operacionais.
O que está predominando é reação emocional negativa com as pesquisas eleitorais que retratam probabilidades contrárias às almejadas, em especial pelo mercado financeiro, e, pior que evidenciam quase absoluta incapacidade reativa dos candidatos mais alinhados com as efetivas necessidades do país para sair da grave crise que o assola, implementando reformas imprescindíveis, sem o que o risco de agravamento do “status quo” do país se torna altamente preocupante.
Junto com o emocional que conduz ao comportamento irracional na formação da taxa cambial, ocorre um movimento “bola de neve” impulsionado pelo psicológico, e assim acaba afastando o preço do razoável.
Evidentemente que num momento de intensificação da disputa eleitoral interessa a algumas correntes a volatilidade do dólar e a propagação do fato com viés de alta, pois o dólar é o principal sensor para sinalizar crises e tensões.
Desta forma, confirmando uma antiga máxima de que nem tudo que se vê no câmbio é efetivamente o que parece e que este não é um mercado para principiantes, a mídia propaga o fato e dá-lhe uma expressividade, sem por vezes detalhar os efetivos fundamentos, mas somente propagando-o como a existência de uma situação preocupante impactante no câmbio.
O câmbio, embora sem que haja um domínio popular dos fatores que o influenciam, acaba virando conversa por toda a sociedade e assim ganha uma relevância além do fato em si, que pode ser puramente especulativa.
Em sã consciência, quem conhecendo o mínimo dos fundamentos do câmbio e da solidez do Brasil exatamente neste quesito iria comprar neste momento em que o viés de alta se acentua sem que haja efetiva demanda?
Mas o fato é que ocorre a divulgação de que há corrida para comprar dólares, etc…, mas ninguém explica onde e como, já que os indicadores de volumes dos mercados não sinalizam esta realidade.
Os bancos tem um excelente “colchão de liquidez” da ordem de US$ 4,0 Bi (até 17 divulgado hoje pelo BC) sendo US$ 2,083 Bi de posição comprada e US$ 2,150 Bi de linhas de financiamento assumidas, que se presta a atender eventual crescimento da demanda no mercado à vista e ainda tem o suporte do BC com suas linhas de financiamentos em moeda estrangeira com recompra, e o mercado futuro está atendido com volume só em swaps cambiais num montante em torno de US$ 70,0 Bi.
Na semana de 13 a 17 deste mês o fluxo cambial ficou negativo em US$ 2,827 Bi, tendo acentuado o fluxo negativo financeiro com expressivos US$ 4,313 Bi contra fluxo positivo comercial de US$ 1,485 Bi.
A sinalização de aumento de intensidade de saídas financeiras deve merecer atenção do BC, para na eventual observação com maior acuidade sobre o saldo do fluxo, definindo então a necessidade de ofertar linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, ou não.
Mas de toda forma os bancos ainda tem uma confortável situação para atender o mercado sem a participação do BC.
Então, o que se espera é que o BC ao invés e antes de intervir saia do silêncio e explique os fundamentos do país não ter riscos de crise cambial e nem de liquidez.
Basta isto, o imponderável é o imponderável, mas se esvazia quando perceber que o ataque especulativo interno está, desta vez, utilizando o segmento errado, ou seja, o que tem maior solidez no cenário atual do Brasil, que nos demais segmentos apresenta crise substancial.
Nada mais, somente um esclarecimento objetivo do BC de caráter geral, “cirúrgico” nos detalhes para não deixar dúvidas.
A Bovespa, onde a maioria quase absoluta de estrangeiros está com “hedge”, insinuou uma discreta perturbação ontem, mas só entrará em “sell off” quando perceber efeitos depreciativos no preço das ações, e não por oscilações no câmbio já que estão protegidos.
Importante que o BC se manifeste logo, pois o dólar tem a capacidade de influenciar por osmose os preços, e até o engraxate eleva o preço porque ouviu que o preço do dólar subiu!
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO