A análise do quadro atual, que envolve o preço da moeda americana no nosso mercado neste início do ano, sugere que o fechamento do ano com preço depreciado, mas dentro da curva, em torno de R$ 4,01 contrariou as expectativas do BC e do mercado expressado no Boletim Focus e ocorreu, contraditoriamente, num mês de elevado fluxo cambial negativo.
A ausência do BC ao início deste ano com sua intervenção neutra no mercado de câmbio, embora em algum momento houvesse anunciado a continuidade em 2020, no nosso entendimento teve o objetivo de não prover de sustentabilidade aquele preço de R$ 4,01, pois ao fomentar a oferta para atender a demanda por liquidez no mercado à vista se contrapõe ao efeito desta atitude com a oferta conjugada de swaps cambiais reversos.
Optou por não atender os sinais de carência de liquidez no mercado à vista e assim deixou a formação do preço sob a pressão da demanda que promoveu a depreciação do real frente ao dólar e recompôs a disfuncionalidade anteriormente presente no preço, que denota ser do seu interesse.
É bastante provável que tendo possibilitado a recomposição do preço no em torno de R$ 4,10, se for este o preço que deseja para o dólar, o BC reanuncie as intervenções no mercado na formulação “neutra”, provendo o atendimento à demanda, mas dando sustentabilidade ao preço com a intervenção conjugada no mercado futuro de dólares com a oferta dos swaps cambiais reversos.
O comportamento da autoridade monetária permite esta ilação com forte convicção, e este comportamento estratégico tem determinado que o real apresentasse o maior índice de depreciação entre as moedas emergentes, contrapondo-se à realidade de que o país, dentre os emergentes, é o que tem a situação cambial mais confortável, detendo substantivo montante de reservas cambiais e uma gama de operações de intervenções corretivas por parte do BC e um mercado de derivativos muito mais sofisticado do que os demais países.
A rigor, o Brasil tem desde agosto uma queda expressiva no fluxo cambial e isto afetou a liquidez e colocou pressão na formação do preço, sendo que o esperado seria a intervenção objetiva do BC provendo o mercado com liquidez, simples assim, corrigindo a disfuncionalidade causada no preço.
Contudo, a autoridade optou por intervir de forma conjugada no mercado à vista com dólar efetivo e no futuro com redução do volume de hedge, com isto conseguiu dar sustentabilidade a taxa à vista com disfuncionalidade, elevada, ao mesmo tempo em que reduzia o juro e se ancorava na tese de “juro baixo câmbio alto”.
E mais, reduziu de forma sutil as reservas cambiais em torno de 10% ao mesclar o argumento de redução conjugada com a oferta de swaps cambiais reversos, que tem impacto técnico no comportamento da formação da taxa cambial, mas por ser derivativo não envolve moeda efetiva, visto que é liquidável por diferença em reais.
Agora, com a pressão de demanda ao início do ano e sua (BC) ausência do mercado foi recomposta a taxa cambial ao nível aparentemente desejado pela autoridade, será normal que retome os leilões conjugados e com estes dar sustentabilidade ao preço da moeda, renunciando a esta estratégia tão somente quando e se o fluxo cambial positivo intenso para o país, em perspectiva, se tornar efetivo.
O preço do dólar mais elevado é atrativo para o investidor estrangeiro tornando mais favorável os preços dos ativos, atualmente focando o mercado acionário e os investimentos em conta capital e na infraestrutura que deve se acentuar na medida em que o governo estabeleça com agilidade o programa de privatizações.
Contudo, esta estratégia pode ter fatores contrários já que a alta do preço do petróleo poderia ser “amortizada” em parte com a prática pelo mercado de câmbio de taxa cambial sem disfunção, e, por outro lado o IPCA de dezembro registrando 1,15% e acumulando no ano 4,31% superando o centro da meta projetada para 4,25%, a despeito de ter sido causada em grande parte pela alta de 32,4% na item carne, acende uma “luz vermelha” de forte alerta para a contaminação generalizada nos preços da economia de forma irreversível
Bom lembrar que a “memória inflacionária” brasileira é muito presente e a prática de remarcação imediata irreversível é contumaz, sem volta, e o preço do dólar é um fator de forte contaminação dos preços relativos da economia que tende a agregar pressão adicional ao expressivo índice do IPCA e a inflação anual.
A reação imediata na sexta-feira ao anúncio do IPCA de dezembro e o acumulado, por parte do mercado de câmbio foi percebida e assim o preço do dólar perdeu por um momento o ímpeto de apreciação frente ao real evidenciado no fechamento da quinta-feira, numa postura de cautela ante a nova realidade.
Ao que tudo indica os “players” aguardavam nova sinalização de intervenção com leilão conjugado de dólares, dito neutro, por parte do BC, para entender qual o parâmetro de taxa a autoridade monetária tende a dar sustentabilidade, visto entenderem os riscos de impulsão inflacionária contido na taxa cambial.
Como não houve reação do BC a taxa cambial retomou o alinhamento de alta e fechou se aproximando dos R$ 4,10.
A expectativa é de que quando a autoridade anunciar o retorno da intervenção “neutra” estará marcando a taxa cambial de interesse.
Sidnei Moura Nehme
Economista e Diretor Executivo da NGO