Análise do Mercado – 06/10/2010

Momento oportuno para relembrarmos o pensamento do brilhante professor e ex-Ministro Mario Henrique Simonsen: “Inflação aleija, mas o câmbio mata”. O Brasil está muito vulnerável na cena atual, pois não fez a lição de casa correta de poupar…

Momento oportuno para relembrarmos o pensamento do brilhante professor e ex-Ministro Mario Henrique Simonsen:

“Inflação aleija, mas o câmbio mata”.

O Brasil está muito vulnerável na cena atual, pois não fez a lição de casa correta de poupar mais nos momentos de crescimento para reduzir juros, aumentar poupança interna, reduzir impostos, tendo cometido o equivoco de misturar política monetária com política cambial, num ambiente que se propaga que o país tem um “sistema de câmbio flutuante”, que não comporta esta mistura. Assim, foi desqualificado pela intensidade das intervenções do BC na formação do preço ao não limitar suas compras aos excedentes do fluxo, focando controlar a inflação com a indução do real apreciado.

Oportuno relembrar e aprender com exemplos recentes:

“A Irlanda que até a bem pouco tempo era um exemplo de crescimento econômico e perspectivas otimistas para o futuro, acaba de ter o seu “rating” reduzido de “AA-” para “A+” pela agência Fitch, além das sinalizações na mesma linha feitas pela agência Moody´s, sendo colocada em perspectiva negativa”

Evidentemente, que a fragilização das economias desenvolvidas, em especial os Estados Unidos e a Europa, provoca a desvalorização das moedas destas áreas, aliás, em linha com os fundamentos de formação de preços das moedas prevalecentes após o término do Acordo de Bretton Woods, que implica que os mesmos reflitam a situação econômica dos países.

Também é razoável imaginar-se que nestas circunstâncias os países adotem medidas de estimulo focando a recuperação da atividade econômica e isto envolve fomentar a liquidez e estimular o consumo com juros baixos.

Estes países por terem mercados econômicos desenvolvidos e, a rigor, estáveis adotam o sistema de câmbio flutuante. Na prática todas as grandes economias de países desenvolvidos adotam este sistema, pois tem poupança interna, riqueza efetiva, pujança no cenário internacional com as suas moedas sendo livremente negociadas, ou seja, conversíveis.

Contudo, o sistema de câmbio flutuante reconhecidamente o melhor quando os países que o adotam tem perfil compatível, não é totalmente perfeito. Se a economia de um país passar por uma instabilidade, o sistema flutuante não irá incentivar o investimento. Os investidores poderiam ser vitimas das grandes oscilações nas taxas de câmbio, assim como numa ocorrência de inflação desastrosa. Mas, em contraposição a desvalorização das moedas potencializa o lado do comércio exterior.

Este cenário atual que decorre dos efeitos maléficos da crise internacional a partir de 2008 provoca estas mutações paritárias consequentes das alterações do “status” das grandes economias.

Entre os grandes, o Japão sinaliza que pode estar menos pior do que as economias americana e européia e por isso o Yen se valorizou ante o dólar e o governo japonês reagiu com a intervenção no mercado de câmbio retirando dólares e injetando yenes. E, agora, complementarmente reduziu mais os juros para entre zero e 0,1%, o que torna menos atraente aplicações em yenes.

Esta reacomodação entre os valores relativos das moedas das grandes economias não podem, rigorosamente, serem denominadas como uma guerra de moedas ou guerra comercial. As mutações fazem parte do novo contexto econômico destes países e naturalmente mexem com “pedras do tabuleiro”, mas estão longe de serem confundidas com a postura da China, que dita o preço da sua moeda focando diretamente os interesses nacionais.

Num ambiente internacional em que “a grande maioria precisa vender mais e comprar menos” , como já de há muito tempo vimos destacando, restam como oportunidade à China e o Brasil.

A China é outro mundo e outro “status”. Controla a sua moeda e não se importa com as reclamações. Retaliações? Se não comprarem seus produtos, também poderá deixar de ser grande comprador dos países que impuserem restrições. E mais, é rica e financiadora de grande parte dos déficits das principais economias, o que é um forte contingenciador de pressões efetivas.

No nosso caso, embora o real não seja uma moeda conversível e nem o Brasil ainda uma potência econômica consolidada, o país tem um cenário dentro do quadro conturbado decorrente da crise internacional bem mais favorável do que a grande maioria.

Mas, afora este detalhe, temos algumas atipicidades relevantes que nos fragilizam:

– o pais pratica taxa de juros elevadíssimas “vis-à-vis” mercado internacional, desalinhada com os conceitos de risco que lhe são atribuídos e incompatíveis com um país “investment grade”;

– adota o sistema de câmbio flutuante, sem ter poupança interna suficiente para acumular reservas cambiais como efetiva riqueza, forjando-a a partir da elevação da Dívida Pública Interna e com um custo de “carregamento” em torno de 10% aa.

– tem um mercado de câmbio limitadíssimo em sua abrangência operacional e um mercado de derivativos extremamente evoluído;

– mistura política cambial com política monetária com objetivo de utilizar o câmbio como antídoto das pressões inflacionárias, criando uma sistêmica tendência de apreciação do real;

– etc.

A política cambial mixada com a política monetária conduziu o preço do dólar no país a uma endêmica depreciação focando a contenção da inflação, e, neste momento em que o cenário externo se altera em decorrência da fragilização das grandes economias e suas moedas são desvalorizadas, o Brasil está na “contra-mão” já que adota política indutora da valorização de sua moeda acima do que seria razoável.

Certamente, esta situação nos deixa extremamente vulnerável ao fluxo de todo tipo de capital externo buscando rentabilidade; neutralizando, contudo, acreditamos, parte do investimento produtivo pela taxa cambial extremamente deprimida; incentiva as importações que ficam altamente competitivas no nosso mercado interno e, inviabiliza nossas exportações não agrícolas, por perda de competitividade.

E então, o país depara-se com a realidade de que tem mecanismos de política cambial/monetária para induzir a apreciação do real e não tem nenhuma que viabilize a reversão do quadro de excessiva queda articulada para a moeda americana.

E sequer qualquer possibilidade de reduzir o juro.

IOF mais alto? Inócuo. “Comprar tudo” pelo BC ou FSB? Será inócuo e só agravará a apreciação do real.”Swaps cambiais reversos?” Será inócuo e agravará ainda mais a apreciação do real, na medida em que quebra o limite de baixa, já que a especulação ocorre com a certeza da liquidez que será dada ao final pelo BC na reversão da operação. Este é um instrumento que não atinge o seu propósito teórico.

Após o IOF de 2% para 4% vigorante desde ontem e do qual não se espera qualquer repercussão na formação do preço da moeda americana, o CMN em sessão extraordinária divulgada pela Resolução 3911 do BCB dilatou o prazo para o Tesouro comprar dólares no mercado à vista para fazer frente aos vencimentos da dívida externa de até 4 (quatro) anos (1.500 dias), que era anteriormente 2 anos de vencimentos, equivalente a 750 dias. Com isto, cria mais uma fonte governamental de demanda adicional de US$ 7,6 Bi.

Tudo se configura no nosso entender como paliativos.

Se desejar mudar o cenário o governo deverá atuar normativamente elevando bruscamente margens das operações no mercado futuro; limitando os percentuais de exposição em transações de variação cambial do sistema financeiro; permitir que os bancos somente operem com posição nivelada ou comprada no mercado de câmbio à vista e, após este ajuste, desfeitas as posições vendidas dos bancos, o BC retomaria a dinâmica comprando com os seus leilões não a totalidade dos excedentes diários, deixando os bancos um pouco “comprados”.

De imediato, o BC deveria interromper as suas compras diárias no mercado de câmbio à vista, já que elas fomentam as posições “vendidas” dos bancos que são indutoras a apreciação do real. Esta atuação do BC no quadro atual se configura como contraditória, pois, sabidamente, induzem a apreciação do real o que não se alinha com os propósitos que vem sendo manifestados pelas autoridades.

Este é um momento para pulso firme e decisivo por parte do governo, não adianta fazer de conta que está atuando no sentido de conter a valorização, pois não funciona “comprar tudo” seja pelo BC ou pelo FSB, mantendo a permissão dos bancos atuarem com posições a descoberto no mercado à vista, ou seja “vendidos”, pois isto provoca apreciação do real e não sustentação de preço do dólar. A autoridade acaba por comprar uma oferta que não existe ao país e que simplesmente decorre da utilização de linhas de crédito pelos bancos para dar suporte as suas posições vendidas.

É preciso atuar “cirurgicamente” nos flancos que deixam aberto as ações pró-apreciação do real, sem constrangimentos.

Colocar o real num pedestal em que ele ainda não se encontra e atribuir todas as mazelas atuais ao cenário externo recente que o apreciam é ignorar que manter o real apreciado tem sido parte da política de contenção inflacionária do país. As causas têm mais a ver com o quadro interno do que ao cenário externo.

 

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