A desestabilização do perfil de alta gradual do preço da moeda americana foi baseada primeiro em fundamentos efetivos sinalizados pela economia brasileira, e estimulado por contraditórios hávidos entre atos e declarações das autoridades monetárias brasileira, e na sequência, também na perspectiva de redução da liquidez mundial a partir do recrudescimento do programa americano.
Desde o final do ano passado havia sinais de que o Brasil passara a ser avaliado não mais por suas virtudes, mas sim por suas fragilidades, que já revelavam baixo crescimento, inflação alta e resistente, e uma política fiscal expansionista que vinha alcançando sua meta com engenharia matemática.
Aquele era o momento para que ocorresse a desobstrução das barreiras tributárias que desestimulavam o ingresso de recursos externos no país, visto que a queda da taxa Selic retirara do país o apelo atrativo intenso do capital especulativo, e, com o baixo crescimento era previsível algum recuo nas projeções dos IED´s.
No comércio exterior, a China sabidamente não conseguiria manter o ritmo de crescimento que é ancorado no seu setor exportador, prejudicado pela crise que atingira as grandes economias. Como a China é o nosso grande comprador de “commodities”, era possível admitir-se a queda de volumes e de preços, com um desempenho pouquíssimo favorável, já que a indústria vinha com baixa competitividade para grandes pretensões no mercado externo, sendo incapaz de atender a demanda interna, que passava, cada vez mais, a ser suprida pelos insumos e bens acabados importados.
Este cenário desfavorável já presente em perspectiva ao final do ano passado, passou à margem de maiores atenções do governo, que se manteve insensível e nada adotou em termos de medidas preventivas.
Gradativamente ao longo deste 1º semestre, confirmando um crescimento econômico pífio no 1º trimestre, o déficit em transações correntes passou á sinalizar crescimento firme, fortalecendo a perspectiva de que, ao ultrapassar 3% do PIB, pudesse vir a exigir que o governo faça uso das reservas cambiais para complementar a necessidade de financiamento do déficit.
O mundo acentuou o tom das criticas ao contexto econômico do Brasil, mostrando todos os pontos vulneráveis, passamos a ser foco de preocupações e não mais de elogios.
Neste ambiente já desfavorável, surgiram sinais de recuperação da economia americana que suscitaram questionamentos sobre eventual alteração da política monetária por parte do FED americano, envolvendo redução dos programas monetários que haviam causado enorme liquidez no mercado internacional.
O cenário prospectivo que já se desenhava desfavorável para o Brasil passou a ser então preocupante, porém, ainda com baixos ruídos.
A inflação se mostrava cada vez mais contundente, então, cresceram os pleitos do mercado financeiro sobre a necessidade de retomar-se a alta da taxa Selic.
Em concomitância com a segunda rodada de elevação da taxa Selic, que promoveu um ajuste forte de 0,5%, com o aumento dos ruídos em torno da eventual decisão do FED sobre os programas monetários, o dólar sofre impacto altista no nosso mercado, algo muito pontual.
Porém, quando inúmeras autoridades governamentais citaram aqui e acolá um certo descaso com a alta do dólar, afirmando que o câmbio é flutuante e que o preço não era uma preocupação, etc…., logo em seguida á uma atitude mais dura do COPOM, criou um contraditório que provocou com inquestionável estimulo especulativo do mercado, á busca desenfreada das empresas com passivos expostos em moeda estrangeira, e então foi uma pressão altista muito forte, por vezes quase no vazio pela ação especulativa, mas com demanda incessante.
Levantamento divulgado da semana passada pelo post Cidade Biz, de Antônio Machado, indicava que 22% do passivo dos grupos sem receitas de exportação
( “non tradables”) são dolarizados (em 2008 este dado era de 25%). No caso dos “tradables”, ou seja, grupos com receitas em dólares, o passivo dolarizado é de 45% ( em 2008 era 52%). O que demonstra o potencial de demanda por “hedge”.
Este foi o ponto de largada, depois então houve o incremento com a manifestação de Ben Bernanke, que “tirou o gato do telhado e o derrubou no chão”, ou seja, com uma certa inaptidão anunciou o prenuncio da redução do programa americano para este ano, com finalização em 2014, que foi o que o mercado assimilou, embora tenha sido colocado uma série de “ses”.
O governo, que vinha tentando amenizar a pressão com leilões de “swaps cambiais”, visto que na realidade não faltava dólares no mercado à vista, sendo a demanda no mercado futuro, na busca de “hedge” (proteção).
Tardiamente, o governo retirou os 6% de IOF sobre o ingresso de recursos externos para renda fixa, com o intuito de melhorar o fluxo no mercado de câmbio á vista, com reflexos na oferta de dólares no mercado futuro, e, também e principalmente, atenuar a pressão altista do juro de longo prazo.
Em seguida, sentindo que a reação dos investidores estava abaixo das expectativas, retirou o IOF de 1% sobre os derivativos, numa clara intenção de atrair os recursos externos especulativos, melhorando o fluxo no mercado á vista e consequentemente no mercado futuro.
Ainda assim, não logrou sucesso a despeito do expressivo volume de “swaps cambiais” colocados para atender a demanda por “hedge” do mercado.
Por último, resolveu retirar a exigência de 60% de compulsório sobre as posições vendidas dos bancos no mercado á vista, excedentes a US$ 3,0 Bi.
O estimulo às posições vendidas dos bancos foi praticado largamente no passado recente do governo anterior, com o objetivo de apreciar o real. O contexto era de farto ingresso de recursos no país, com o BC absorvendo integralmente o fluxo para as reservas, e os bancos utilizando linhas externas a preços baixíssimos, com a convicção de que em perspectiva haveria dólares fluindo no mercado para que cobrissem suas posições vendidas. Além disto, desenvolviam interessante estratégia de captação de reais a custos baixíssimos ou quase nulos, na medida em que a variação cambial era tão favorável que anulava o custo externo da linha.
Aquele passado nada tem a ver com o contexto atual, onde os fluxos não são generosos, muito pelo contrário, e agora as linhas externas não são tão fartas e baratas, e já não há a convicção de que haverá dólares efetivos para cobrir as posições futuras quando se fizer necessário.
O BC pode ajudar, inclusive fornecendo as linhas para ancoragem das posições vendidas, etc…etc…. mas já não há tantos fatores estimulantes para os bancos retomarem praticas passadas. Hoje há riscos devido à perspectiva incerta.
Ocorre que, neste mesmo momento, a China resolveu atenuar, pelo menos na retórica, as pressões sobre o seu sistema bancário e o crédito de má qualidade, pois da forma contundente que havia colocado o assunto provocara muitos ruídos.
Por outro lado, inúmeros porta-vozes ligados ao FED procuraram amenizar os temores sobre uma interrupção abrupta do programa de incentivos monetários, colocando a perspectiva como bastante gradual e cautelosa. Isto reanimou os mercados e, para completar, ontem foi divulgado o PIB americano do 1º trimestre de 1,8% bem abaixo das projeções de 2,4%.
Por aqui, uma melhora no superávit, com grande probabilidade de ter sido pontual face as receitas que não se repetirão, e que não tira o problema do superávit primário ficar bem abaixo das projeções atuais, ainda mais agora, com inúmeras iniciativas movidas para atender o clamor popular.
Enfim, o conjunto de vetores atuais que foram amenizados podem estar impactando no comportamento do mercado, visto que fragiliza a especulação e há um retorno à sensatez de que a proteção aos passivos podem ocorrer de forma gradual e não abrupta, o que deprecia um pouco o preço do dólar.
Mas, o fato concreto é que a perspectiva para o fluxo de recursos estrangeiros para o país continua colocando a possibilidade efetiva de insuficiência de ingressos para financiar o crescente déficit em transações correntes.
E este cenário dá sustentabilidade a alta do preço do dólar ao longo do ano.